O ANÃO GIGANTE (em prosa)

O ANÃO GIGANTE (16 jul 11)

(tradicional hindu, recontado por William Lagos.)

Muitas eras depois que os Devas e Asuras haviam tomado o Amrita, após sacudirem por longo tempo o Nidra, o Oceano de Leite (que muitos saddhus afirmam ser a Via Láctea), até que o santo brâmane Dhanvatari emergisse trazendo em suas mãos a bilha com o licor da longa vida; mesmo tendo sido forçado a aprender a humildade, ao solicitar o auxílio de Vishnu, de quem se julgava igual, o orgulho de Indra, o rei dos gênios do bem, começou novamente a se manifestar, pois agora se julgava imortal, embora o Amrita apenas conferisse uma vida muito longa e não a imortalidade e, muito menos, a invulnerabilidade.

De fato, durante muitos séculos, a partir de seu controle e domínio do Sol e do sistema solar, Indra e seus súditos Devas não somente haviam submetido seus primos Asuras, tidos como os gênios do mal, como haviam conquistado a maior parte do Universo e Indra tudo governava sob o poder de seu cetro. Devido à longa rivalidade, seus primos Asuras foram oprimidos e destituídos da maior parte de seus privilégios.

Sentindo-se injustiçados, os Asuras depuseram o seu rei e, seguindo a lei estabelecida por sua natureza violenta e quase animal, organizaram um torneio de duelos entre os candidatos, para ver qual deles mereceria ascender ao trono por sua coragem, habilidade guerreira e, por que não dizer? por sua crueldade para com os adversários. Desta disputa, embora não demonstrasse este último atributo, mas ao contrário, perdoasse seus oponentes assim que o posicionamento de seu pé sobre a garganta deles fosse reconhecido como vitória e lhes garantisse a submissão, saiu vencedor Báli, neto de Praladha, que obtivera o favor de Vishnu para derrotar seu próprio pai Hiranya, após este se demonstrar tão violento e opressor para com todos os demais Asuras.

Hiranya, após anos de aparente devoção aos preceitos de Brama, o Deus Pai da Santíssima Trindade hinduísta, esforçando-se para obter a Moksha, ou a libertação de todos os desejos materiais, que lhe facultaria o acesso ao paraíso bramânico, o Nirvana e a libertação da Sansara, a roda das reencarnações, havia falhado no teste final, porque, quando Brama lhe prometeu dar o que quisesse em recompensa por seu grande esforço na busca da virtude, deixou que seu desejo mais profundo viesse à tona e lhe pediu a imortalidade.

Brama, naturalmente, lhe explicou que tudo o que nasce, deve morrer, para manter o equilíbrio do Universo e que lhe pedisse qualquer outra coisa, menos isso. Astuciosamente, Hiranya declarou que nenhum outro dom teria o mesmo valor e se ele podia pedir, em vez disso, uma série de pequenas coisas. Brama lhe foi concedendo a invulnerabilidade, a imunidade a doenças, proteção contra todos os inimigos e todas as criaturas de Brama, etc., até que Hiranya acreditou que, para todos os efeitos práticos, se tornara imortal. Mas Brama o mandou embora, visto que ficara carregado de desejos e não podia mais permanecer a seus pés.

Hiranya voltou às terras dos Asuras, ainda cheio de virtude, mas pouco a pouco, sua natureza animal se foi manifestando, até que ele se tornou ainda mais grosseiro e cruel do que todos os seus companheiros. Praladha, seu filho mais velho, que fora exilado, sem poder levar consigo a esposa, os filhos e os netos, não teve alternativa senão pedir a Káli, a deusa da morte, que o matasse. Káli respondeu que era também uma criatura de Brama e nada podia fazer, mas encaminhou-o a Vishnu, o Filho de Brama, que não era criatura, mas partilhava da essência divina, o qual encarnou em um avatar metade homem, metade leão e argutamente arquitetou um plano para matar Hiranya, sem quebrantar nenhuma das promessas que Seu Pai lhe havia feito. Praladha reencontrara a família e se recusara a aceitar a coroa dos Asuras, vivendo em paz o resto de seus dias.

Ora, Báli, seu neto, era um dos que haviam padecido sob a tirania de Hiranya e deste modo, herdou a natureza virtuosa de seu avô, mas nenhum dos traços malignos de seu bisavô. Após vencer e poupar todos os seus adversários, foi coroado rei e determinou-se a governar com justiça e equidade. Mas antes de tudo, liderou os Asuras contra os Devas, atacando de surpresa e aprisionando a maior parte desses outros gênios, uns capturados ainda em seus leitos, outros vencidos em emboscadas. Deste modo, quando Indra convocou suas tropas, elas estavam extremamente desfalcadas e Báli o venceu facilmente.

Deste modo, os Asuras se assenhorearam de tudo o que antes pertencera aos Devas e Báli se tornou o rei do Universo. Não obstante, em tudo manteve a humildade, conservando os preceitos de Brama e dominando a natureza cruel e grosseira de seus súditos, que foram obrigados a tratar com justiça tanto os Homens como os Devas. E se portou com tal lisura, por puro sentimento de justiça e não para conquistar uma dádiva por sua aparente submissão a Deus, como fizera seu bisavô, que de fato obteve o favor de Brama e este facilmente lhe permitiu controlar todo o Universo em Seu Nome. Na verdade, como Brama está fora do tempo em Seu longo respirar com que cria e reclama tudo para Si até expirar novamente e recriar o Universo, era-lhe indiferente quem o governasse, salvo se demonstrasse uma real perversidade.

Porém Vishnu, o Deus Filho, era um guerreiro e governava o mundo material, sendo naturalmente superior a Báli, embora aceitasse que ele o substituísse nos atos mais concretos. Ele via a virtude em Báli e sabia do favor e proteção que Seu Pai lhe concedia, mas tinha sérias dúvidas sobre quanto tempo Báli permaneceria justo e virtuoso, antes que sua longanimidade fosse superada por sua natureza de Asura. E já naqueles tempos tão longínquos, sabia perfeitamente que todo o poder corrompe e que o poder absoluto de que Báli gozava acabaria, mais cedo ou mais tarde, por corrompê-lo absolutamente, o que seria uma pena, pois reconhecia que, de fato, pelo menos por agora, a mente, o coração e a alma de Báli estavam cheios de virtude.

Por esse motivo, justamente para preservar-lhe a integridade e não porque sentisse o menor resquício de inveja do poder que Báli ainda gozava, Vishnu decidiu interferir. E disse de si para si que, caso Báli passasse no teste, o recompensaria ricamente. Quanto a Indra, aparentemente este precisava de nova lição de humildade, as anteriores não lhe haviam bastado. Assim, decidiu assumir um novo avatar, desta vez inteiramente humano, mas que humano!... Anão e deformado, a cabeça desproporcional ao corpo, com três pernas ao invés de duas e seis bracinhos curtos, espetados três de cada lado do tronco, como um estranho novelo de seis pontas em que indumentária alguma servia.

E decidiu nascer como irmão de Indra, filho de sua mãe Aditi e de seu pai Kashyapa, o grande andarilho gerador. Ora, Kashyapa era humano e brâmane, enquanto Aditi era de uma espécie totalmente diferente, portanto esse irmão de pai e mãe de Indra, não somente não seria um Deva, não apenas um ser humano deformado, mas um mestiço de meia casta, em tudo contrário à vaidade e orgulho do rei dos Devas. Mesmo assim, era totalmente humano, salvo os seus visíveis aleijões. E assim, ao assumir a primeira encarnação da segunda geração de Brama, a Treta Yuga, conforme diz o poema,

tornou-se num mestiço e degradado,

só meio brâmane, além de deformado,

aberração de aspecto indigente!...

Ora, segundo reza a tradição, Kashyapa era um filho do desejo mental de Brama (ou, segundo outra versão, era filho de Mashini, este sim o filho mental de Brama) e nascera em um ensejo muito anterior à humana geração, embora já fosse humano e brâmane ele próprio. Seu nome significava “o bebedor da luz”, porque, ao nascer, aparecera rodeado de uma nuvem de esplendor dourado que absorvera à medida em que respirava. Trazia em si trinta dos trinta e três sinais de Vishnu e por pouco não pode ser considerado como um avatar do deus; seja como for, era seu contemporâneo e os avatares de Vishnu vivem em Maya, o mundo ilusório das percepções concretas, no qual habitam também todos os humanos. E os sábios nunca afirmaram que Vishnu ocupasse dois avatares ao mesmo tempo.

Como teve muitas esposas, sem ter permanecido com nenhuma delas, foi também chamado de Manasaputra, ou “o eterno solteiro”. Kashyapa casou com Aditi, que foi a mãe dos Devas e com sua irmã, Diti, que deu à luz os Asuras, o que significa que ambas as castas de gênios eram constituídas por primos-irmãos e quase irmãos na primeira geração. Mais tarde, casou-se com Kadru, a mãe dos Nagas, os homens-serpente; e teve muitas outras mulheres, uma das quais foi a mãe de Garuda, o grande pássaro que servia de montaria a Vishnu e de Varuna, o primeiro rei dos gênios, responsável pela ordem do Universo, embora não seu criador, arquiteto e ferreiro, senhor do Sol, dos Rios e da Lua.

Mas quando um monstro o desafiou e começou a devorar seus domínios, Varuna foi impotente para destruí-lo, conseguindo apenas mantê-lo mais ou menos sob controle, o que lhe custava muito esforço. Uma profecia revelou que somente Indra poderia vencer seu oponente, mas que o suplantaria no domínio dos gênios e do Universo. Varuna tentou impedir o nascimento de Indra, mas sem sucesso; este nasceu como o senhor dos raios e das tempestades e fulminou o monstro, sucedendo a Varuna, que se tornou o senhor do oceano e da noite, dividindo o céu como Súrya, o senhor do dia.

Kashyapa, o andarilho gerador, casou-se ainda com muitas outras mulheres, pois nenhuma rejeitava, gerando inclusive muitos monstros... Mas com Aditi apenas gerava os Devas, considerados como os gênios do bem e que se tinham na conta de nobres e superiores a seus primos Asuras, quanto mais aos Humanos. Por aí se vê a sutileza de Vishnu, em escolher como pai e mãe justamente os genitores dos Devas, porém nascendo totalmente humano, além de ser deformado e mestiço. Que melhor forma de humilhar o orgulho injustificado de Indra? E que melhor maneira de parecer fraco e insignificante aos olhos de Báli?

Mas como filho de Kashyapa, o pobre mestiço, que recebera o nome de Vamana, tinha o direito de usar os trajos típicos dos brâmanes, os aristocratas da Índia; e assim, vestiu-se com uma túnica bordada sobre calções de seda firmados com perneiras e botões de metal, um cinto largo de que pendia um alfanje comprido o bastante para se arrastar no chão e um rico turbante enrolado na cabeça, sete metros do tecido mais fino preso logo acima da testa por um rubi imenso que sustentava uma imponente pena de faisão. Porém essa rica indumentária não disfarçava a sua deformidade. Sua terceira perna, embora envolta na mesma seda e perneiras dos calções, atrapalhava a sua marcha, metendo-se no caminho das outras duas e o alfanje excessivamente longo para sua altura minúscula ainda mais inseguro tornava o seu passo, somado ao fato de que seus bracinhos curtos pareciam incapazes de retirá-lo da bainha a tempo de defender-se de qualquer ataque. E as mangas da túnica estavam estufadas, cada uma delas ocupada por três braços, cujo movimento já a deixara meio rasgada.

Em suma, era um palhaço vestido de rei, uma criatura de circo, mais um pária que encontrara ricas roupas jogadas à beira do caminho do que o aristocrata que realmente era. E sua figurinha desengonçada causava mais riso do que pena. Quem poderia desconfiar que fosse o quinto avatar, a quinta forma material do poderoso guerreiro Vishnu? E foi assim que se apresentou no palácio de Báli, tão ridículo que os truculentos guardas Asuras nem se deram ao trabalho de impedir sua entrada.

Vamana saudou o grande rei inclinando-se sete vezes de mãos postas, como sinal de seu respeito e reverência. O rei Asura tratou-o com toda a cortesia e benemerência, indagando a que vinha. Pelas suas vestes, sabia que era um brâmane, por mais grotesca que fosse sua aparência e Báli jamais desrespeitaria um brâmane, porque isto quebrantaria os sagrados preceitos de Brama e ele era sinceramente virtuoso e devoto, pelo menos enquanto sua natureza inferior Asura o não dominasse.

Vamana falou então, com voz pausada: “Senhor Báli, conquistaste o Universo!” Mas o rei lhe respondeu com a humildade que lhe era característica: “Todo o domínio me foi concedido pelo favor Daquele de Quem tudo dimana...” Referia-se a Brama, o Deus Pai, naturalmente. Prosseguiu Vamana: “És o senhor de toda a Terra, então...” “Isso é verdade”, concordou o rei, “mas sob Brama a humildade nos irmana”, querendo dizer que aos olhos de Deus somos todos iguais.

Então Vamana, que era Vishnu disfarçado neste avatar tão digno de piedade, começou a montar sua armadilha: “Porém, bom Báli, as terras de meus pais incluíste em teu domínio permanente...” E respondeu o rei: “Mas de que modo isto seria diferente? Pois Brama deu-me tudo quanto existe; toda a Nidra, a Galáxia, controlo no Seu Nome. De todos cuido e criatura alguma passa fome ou sede, nem permito que seu sofrimento seja grande em demasia. É claro que este imenso domínio inclui a terra que pertenceu a teus pais, onde quer que se localizasse...”

Vamana então pediu: “Nesse caso, Vossa Majestade não se importaria de dar um pedacinho de terra para mim...? Não precisa de ser tão grande assim, somente aquela que eu pudesse pisar ao mesmo tempo com meus três pés... Pequeno embora, eu saberia que esse torrão seria meu inteiramente e nenhum de teus valentes Asuras me poderia contestar sua posse...”

Certa suspeita começou a despertar na mente de Báli. Então, o rei lhe disse: “Mas você pode morar onde quiser! O Universo é tão grande, não é preciso demarcar um pedacinho tão pequeno para você plantar os pés... Onde quiser morar, nenhum de meus Asuras o irá perturbar; será por todos respeitado e não há o menor perigo de que alguém o queira despejar da morada que escolher...”

Mas Varana insistiu: “Ah, meu senhor, perdoe o meu capricho, pois afinal, eu lhe peço por tão pouco! Não se trata de qualquer desejo louco: é pouco mais do que um pequeno nicho, que eu possa abranger com meus três pés... O Universo inteiro é teu, dominas totalmente a Nidra, o Oceano de Leite da Galáxia! Controlas o movimento dos planetas, pões rédeas aos cometas, impedes que os sóis se desmanchem em grandes explosões!...”

Báli, então, ponderou bem lentamente, enquanto os Asuras tudo escutavam em total silêncio, até prendendo a respiração. O que se achava por trás desse pedido? Por que razão seu primo mal nutrido pedia terra, assim tão urgentemente? Então, ele indagou: “Meu caro amigo, deves ter uma razão mais importante do que essa que me alegaste. Por que insistir tanto por uma coisa tão insignificante?” Báli sentia-se impotente para recusar, achava que Brama o reprovaria, caso negasse uma coisa tão pequena àquele infeliz. Mas, por outro lado, uma estranha premonição lhe agitava o coração no peito. Que pedido estranho! Um pedacinho de terra... Qual o tamanho do espaço que poderia ser abrangido pelos três pés daquela criatura minúscula?

“Majestade,” Vamana respondeu, “veja bem que, onde quer que eu vou, sou sempre objeto de troça... Mas se eu tivesse um pedacinho de terra que pudesse chamar só meu... Se todos soubessem que eu o possuía realmente por obra e graça de meu poderoso rei... De anão eu passaria a ser maior do que todos, primeiro porque ninguém mais tem terra, todas pertencem a Vossa Majestade e, em segundo lugar e até mais importante, porque o magnífico rei Báli demonstrou tanta apreciação por mim que me concedeu o que tirou de todos os demais!...”

Báli se deixou convencer e atendeu a solicitação, para seu futuro desalento... “És um brâmane e não desatenderei o teu pedido,” declarou-lhe o rei. Escolhe agora o lugar que queres, mas que ocorra hoje mesmo tal ensejo. O que me custa, afinal? És um anão... Quanto espaço poderás abranger com teus pés? Até onde poderás estender essas tuas três perninhas? Dou de bom grado: escolhe o teu quinhão onde quiseres...” E ajuntou, movido por uma certa precaução: “Só para um lugar não te dou consentimento, este aqui onde se assenta meu trono. Se tomasses posse dele, te tornarias meu rei...” Por um momento, Báli esquecera a sua benevolência e se tornava apenas mais um dos que antes haviam feito troça do infeliz anão...

A isso, a multidão dos Asuras respondeu com estentóreas gargalhadas. Como haveria tal possibilidade? Como poderia superar na realidade o seu poderoso rei, senhor de tantas espadas, essa criaturinha tão insignificante? De que jeito poderia lhe passar pela cabeça qualquer projeto de reduzir a nada o poderia de tão magnífico senhor...? E então Báli, para selar seu consentimento, beijou a ponta dos dedos e os apertou contra a testa de Vamana, no lugar em que se aplicaria um bindi de açafrão, a marca redonda da boa sorte para atrair o favor de Deus, que os hindus até hoje adotam.

Mas no momento em que o simbolismo deste beijo confirmou o seu pedido, Vamana começou a crescer e cresceu desmesuradamente. Logo encheu o salão, rebentou o teto com a cabeça, sem nada sofrer por isso e se transformou em um poderoso gigante, todas as suas deformidades esquecidas, sua cabeça e seus seis braços agora totalmente proporcionais, a terceira perna crescendo no mesmo ritmo das outras. Foi aumentando até ficar maior do que a própria Terra, tornou-se mais alto do que o Sol até que, finalmente, colocou o pé direito em uma das pontas do Universo e enganchou o pé esquerdo, como um anzol na outra ponta mais distante.

Mas sua terceira perna ficou balançando, girando no ar como a luz que brota de um farol. “Meu senhor Báli, o que farei agora?” indagou sem zombaria. “A minha terceira perna, onde coloco? Só me negaste o teu trono, portanto, de forma alguma o toco...” E a Báli nada mais restou que se submeter: “Senhor Vishnu, ponha sobre minha cabeça, que teu poder divino minha assembleia toda reconheça: teu é o Universo, como o foi outrora!” Reconhecia assim que era o Deus Filho o seu herói conquistador, o Anão Gigante que agora pisava no Universo inteiro. Ao lhe curvar a cabeça, em humildade, reconhecia ser apenas um vassalo e que seu suserano tinha o direito de dispor dele, de seus guerreiros e de todos os seus bens. E nem por um momento demonstrou nem sentiu rancor por ser despojado de seu poderio. Vishnu era um com Brama: “o Senhor deu, o Senhor tirou, louvado seja o Nome do Senhor!...”

Vishnu então deu de novo o domínio dos Asuras e de todas as suas posses a Indra, o rei dos Devas, mas o advertiu, como se a nova lição não lhe bastasse:

"Vê se não perdes, Indra, uma vez mais,

pois vez terceira não te darei jamais

esse domínio do mundo que é só meu!..."

E vê-se nessa história toda a alegoria da vida humana: quem nasce pequeno e insignificante sempre poderá crescer e alcançar todo o domínio. E os mais poderosos sempre poderão encontrar alguém maior do que eles, por mais absurdo que isso possa parecer. E a verdadeira humildade então se vê nessa criatura que a Deus se submete, mesmo que lhe tenha aparecido como o ser humano mais insignificante que já havia marchado sobre a Terra.

Transferido o domínio novamente para Indra, Báli se ajoelhou perante o trono e o reverenciou sete vezes, de mãos postas, confirmando sua lealdade e sua concordância com a decisão tomada por Vishnu. Porém Indra aprendera sua lição, ao menos por um tempo, erguendo-se do trono e tomando o primo pela mão, fazendo com que se levantasse e se assentasse a seu lado no trono.

"Somos irmãos, Báli, o nosso pai

é Kashyapa, que pelo mundo vai

e que tanta criatura originou..."

Porém Vishnu, então, se aproximou, agora usando o avatar de um homem alto e imponente, porém de aspecto totalmente normal e disse a Báli: “Teu destino não é aqui, serás um imortal. Dou-te um planeta exclusivamente teu, cuja posse ninguém jamais te poderá contestar, porque é inconquistável. Foi como me trataste e assim te tratarei. E nele irás governar eternamente. Como Indra e como os Devas, igual que todos os Asuras, tomaste o Amrita, o licor da vida mais longeva, mas somente tu gozarás da imortalidade que teu bisavô Hiranya tanto desejou. Teu avô, o virtuoso Praladha, serviu-te o Amrita quando atingiste a maioridade, mas depois disso morreu, como devem morrer todas as criaturas. Mas a ti somente eu confiro a eternidade.”

E em seu planeta instalou-se o rei Asura,

a governar seu povo com ternura,

qual recompensa final por sua humildade.

LEIA TAMBÉM A VERSÃO POÉTICA.

William Lagos
Enviado por William Lagos em 17/07/2011
Código do texto: T3100113
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