O MISTÉRIO DO SEGUNDO ANDAR

Ingrid é um nome que sempre me soou forte.

E eu a conheci em algum remoto momento do tempo quando ela ainda residia ali, nem muito alto nem muito baixo, apenas num andar compatível com o que lhe era permitido voar no momento.

Parecia confortável e até então nunca se atrevera a subir as escadas daquele edifício para lá do alto dum andar mirante melhor apreciar as extensas paisagens do mundo.

Sabia que ali, naquela suficiente altura, a primavera sempre voltava a reflorescer seus jardins,bem como às ainda verdes ruas do bairro, ademais, o canto dos pássaros, especialmente o do sabiá, lhe era a fiel sonoplastia que sazonalmente descia dos céus a encantar a beleza daquele seu tenro tempo.

Nunca gostara de passarinhos presos nas gaiolas e sempre que os via encarcerados perguntava a si mesma:

"AFINAL, PARA QUÊ SERVEM AS ASAS?"

Certo dia, insperadamente lhe bateram à porta para lhe entregarem duas espécies de canários engaiolados que haviam sido abandonados na portaria do prédio juntamente a um lacônico bilhete: "favor entregar no segundo andar, na sacada do pôr- do -sol".

Ingrid atônita recebeu os passarinhos. Não entendera aquilo. Por que justo com ela?

Então, todos os dias os mantinha na digna subsistência, embora lhe parecessem tão "congelados" naquela vida de gaiola.

Progressivamente cantavam menos, porém o suficiente para todos os dias conversarem com Ingrid.

Conta-se que certa tarde, sob o mesmo pôr- de- sol de sempre, Ingrid misteriosamente, ao abrir a porta de casa, encontrou a gaiola aberta, com o lacre quebrado e sem os passarinhos.

Restos dos alpistes encobriam o chão dali, como se sofregamente os passarinhos planejassem uma insistente fuga.

Quem haveria de soltar os passarinhos, se pelo lado de fora da sacada do apartamento o acesso parecia impossível?

Ingrid nunca soube o quê de fato acontecera ali.

Fato é que os passarinhos voaram para sempre, para um certo alívio de Ingrid.

Tempos depois, numa dessas madrugadas primaveris em que todos os pássaros soam simultãneamente, Ingrid acordou cantando algo que lhe aprecia bem familiar. Pensou que estivesse sonhando.

Ao abrir a sacada do segundo andar de súbito olhou para si e se percebeu descongelando suas asas...

Foi quando alegremente Ingrid partiu para a sua misteriosa vida de Sabiá.

Nota: Baseado em fatos reais.