CONVERSAS COM O MENTOR

O mentor pregava à multidão.

— Senhor! — alguém lhe chamou à atenção — prega maravilhas, onde tem seu templo?

— Meu templo é a abóbada do firmamento — respondeu apenas.

— Senhor — inquiriu outro — tudo o que diz é possível ser feito?

— Se não fosse não o diria. Aquele que diz sempre a verdade jamais precisa pedir desculpa. Não quero que amanhã olhe a mim com desdém. Um sábio está ausente de culpas, pois age pela intuição e a intuição jamais mente.

— O senhor acredita em Deus? — perguntou um terceiro.

— Acreditar apenas não é o bastante. Aquele que acredita não sabe. Aquele que sabe não precisa mais acreditar. A crença leva a sabedoria, mas é preferível saber.

— Senhor — atalhou outro — Eu moro aqui perto. Minha esposa, sabendo que o senhor estava aqui também veio, pois o viu num outro dia. Ela era muito doente e tinha acasos de loucura. Depois do dia que viu o senhor nunca mais teve loucura e as doenças sumiram. O senhor é santo?

— Meu bom homem — disse o sábio — a santidade está na essência de cada um, está na essência do ser. Um de meus noviços também viu cessar o sofrimento e entendeu como isso funciona. Chegou o momento sofrimento cessar o sofrimento de sua esposa. Não atribua a mim suas vitórias, pois elas não são minhas. As pessoas, ao menos uma vez na vida fazem seus milagres. No caso de sua mulher, eu fui apenas um facilitador, quem a curou foi sua própria fé e seu direito. Não alcança a graça àquele que não adquirir o direito. Quando alguém se aproxima daquele que vive em estado de graça e não pode vampirizá-lo, recebe boas vibrações.

— Senhor! — berrou um ancião — o meu filho está desaparecido já faz alguns anos. Sinto que está vivo. O que fazer para que ele volte a mim?

— Ó leigo afetuoso! Se o seu filho não foi à morte, porque chora por ele?

— Senhor, já que me parece prezar a moral e os bons costumes, diga-me como devo agir diante aos insultos? Pois por eu ser pequenino, anã mesmo, sempre sou ofendido por aqueles que se dizem normais.

— Eis uma criatura e seu complexo! Não se mede um homem pelo seu tamanho, mas sim por seu intelecto. As leis do mundo, geralmente, não são bem escritas, pois não protegem a todos quanto à discriminação. Os semelhantes não podem ser discriminados por outros somente quanto à religião, cor ou ideologia; mas também pelo aspecto social, tamanho, profissão, nível intelectual e tudo aquilo que pode provocar injúria. Sei que sofre, pois o mundo foi preparado para os de tamanho mediano: tanto sofrem os acima da média, como os abaixo dela. Não deve se voltar contra os injuriosos, pois aquele que assim é, certamente, se comporta no mesquinho e no indouto. Isto me faz me lembrar da estória do gigante e o anão: em tempos idos, havia numa comunidade um homem muito grande — forte, cuja força superava muitos homens. Ele fazia parte de uma equipe de exploradores de cavernas. Um dia, ao sair para uma aventura, o gigante fez a observação: “É preciso que levemos conosco também um anão”. “Por qual motivo” — apressou-se um dos integrantes? E ele respondeu: Uma caverna é um universo, e em qualquer universo deve haver homens de todos os tamanhos. "Há momentos que um gigante torna-se obsoleto, pois existe trabalho numa caverna que só um anão pode realizar".

— Ó grande sábio! — exclamou um homem, que se aproximava. Meu pai, ao morrer, deixou-me uma grande fortuna. As coisas começaram a não dar certo, os negócios foram enfraquecendo e perdi tudo. Eu era muito rico, agora não tenho nem como arranjar comida.

— Ó pobrete! Você nunca fora rico, pois estava rico. Aquele que é rico, sempre o será, pois a riqueza é um estado da alma. A riqueza da qual desfrutava não era sua, mas sim de seu pai, cuja fortuna era um estado de sorte kármica a ele, não a você. Quando cessou a vida de seu progenitor, junto dela cessou também o estado de riqueza. Bebe o filho o que a mãe lhe dá: se a mãe dá ao filho um remédio para curar-lhe a febre, junto do remédio vai também o amargo que a dipirona tem.

— Senhor! — disse uma senhora de preto — porque sonho que estou beirando o inferno?

— Ó mulher impiedosa. Tenha piedade de si mesma. Saia das trevas e vá à claridade!

— Senhor! — implorou um soldado — certa vez tive que fazer um homem sucumbir. Ele era um bandido que havia roubado, estuprado e matado. Sonho com ele todos os dias e minha vida tornou-se um tormento.

— Não se acabrunhe diante às fatalidades. A lei dos homens já o julgou inocente porque retirou da sociedade um ser medonho. O universo dará a ele outra ensancha para reparar os erros que praticou. Você foi apenas o instrumento do universo para ceifar um desvairado. Vá para casa e durma sossegado, amanhã raiará um novo dia.

— Senhor — disse um ancião — sou velho demais para continuar vivendo. Meu corpo dói por inteiro, meus pensamentos são irregulares e meus parentes já não me aturam. Parece até que a morte esqueceu-se de mim: o que fazer para que ela venha?

— Ó leigo! Ninguém deixa este mundo se não for o momento. Preze-se pela vida enquanto ela ainda existe. Se existe a vida é porque ainda é possível expiar suas máculas. Aproveite até o último segundo desse ciclo, para que o próximo seja mais ameno. Não se acabrunhe diante da dor e do sofrimento. Faça do sofrimento e da dor seus prazeres. A dor pode ser prazerosa e no sofrimento pode haver beleza. O sofrimento termina quando cessam suas causas, expire as causas que o sofrimento terminará.

— Senhor! — disse uma rapariga — vim aqui em busca de novo labor para minha vida, mas quando cheguei não sabia o que queria. O que devo fazer?

— Ó leiga desorganizada! A dona de casa quando vai ao mercado leva consigo uma lista do que vai comprar. Essa lista de compras é feita em profunda meditação em relação às suas necessidades. Se ela não planejar o que deve levar para casa, acaba levando coisas que não precisa, ou adquiri apenas porque viu na prateleira.

— Senhor — interferiu outro — tenho na cidade um pequeno negócio. Não consigo prosperar, todos os concorrentes são meus amigos, mas sempre podem vender mais barato que eu: o que fazer para entrar no mercado e ganhar dinheiro sem ferir os amigos?

— Ó negociante imprudente! Comprar e vender são um Dom. Se quiser prosperar, desenvolva esse dom, pois assim estará sempre à frente da concorrência. Conhece a estória dos dois amigos que faziam uma caçada de tigres? Quando ambos já não tinham mais munição, ouviram o rugido de um tigre bem próximo que certamente viria atrás deles. Um dos amigos observou que o outro estava retirando suas botas, então perguntou: “acha que sem as botas você irá correr mais que o tigre?" — e o outro lhe respondeu: “se correrei mais que o tigre eu não sei, sei que sem as botas serei mais rápido do que você”.

— Senhor — interferiu uma beata — sempre que alguém morre, procuro confortar a família, rezando pelo falecido, organizando missa de corpo presente, de sétimo dia, de aniversário e outras coisas, como: visitas ao cemitério, novenas, etc. Acha que com isso estou ganhando pontos perante Deus?

— Ó carola imprudente! Não comungo da hipocrisia. Você nunca deve despertar dores antigas em ninguém. Um parente morto é o mesmo que o carvão. Tudo o que servia para ajudar a humanidade já foi consumido. Se alguém nele atear fogo outra vez, o resultado será um calor temporário e somente as cinzas sobrarão.

Depois de um breve silêncio o sábio continuou:

— Ó leigos! O momento é de adeus por este dia porque o sol já se esconde para nós. Vão todos ao encontro da felicidade, pois todo humano deseja ser feliz. Não seja o mais infeliz dos animais por saber que morrerá um dia. É que além desta vida haverá muitas outras. A vida é como o dia, morre hoje para renascer amanhã, talvez com mais brilho que no dia anterior. O homem também morre todas as tardes para renascer todas as manhãs. Aquele que não morre não vive, pois a cada renascimento ele é melhor.

Este texto foi retirado do romance “O Mentor”, de autoria de Hamynthas Mathnatha.

Hamynhas Mathnatha
Enviado por Hamynhas Mathnatha em 23/08/2011
Código do texto: T3176753
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