Além das Nuvens

O menino correu até sentir o mar tocar seus pés. Voltou-se então para aquele que todos chamavam de “o grande sábio”, Artur, e sorriu. Levou algum tempo antes de materializar o que se passava em seu interior:

— Ainda não acredito que possamos encontrar o que não está de fato ao nosso alcance.

— Ora Plínio, se não acredita, não precisa nem tentar. Mas, se em sua mente, isso for realmente possível, aí então, terá todas as respostas que procura.

— Não sei, talvez seja tudo uma questão de imaginar, idealizar.

— Agora está mais próximo do que tenho tentado lhe falar todas as tardes, há mais ou menos 12 luas.

Um brilho refletiu-se na expressão de Plínio e ele sorriu orgulhoso:

— Preciso voltar para casa. Meus pais me esperam e tenho um mundo de tarefas a realizar.

Artur assentiu vendo seu mais novo discípulo se afastar. Depois que ele se foi, sentou-se na areia e refletiu por horas e horas. Parecia imerso em outra dimensão, permaneceu assim, até que sentiu a mudança do clima e olhou a procissão de nuvens que escureciam a paisagem. Caminhou algum tempo até o pequeno chalé, onde o horizonte indefinível era a janela para o mundo.

Naquela tarde não havia sol ou promessa de estrelas. O céu cinzento anunciava tempestade e Artur achou melhor se recolher ao interior da rústica moradia. Observou do pequeno vitral em sua sala, o ir e vir das palmeiras alvoroçadas. Concluiu que na manhã seguinte a chuva deixaria seus sinais. Sinais refletidos na areia úmida e na vegetação que cobria as dunas. Sim, como a chuva, a vida também deixava marcas. Algumas eram benéficas ao crescimento espiritual. Outras, causavam dor, remorso, tristeza. Lembranças não bem vindas de tempos passados. De toda forma, um homem não poderia seguir adiante sem superar derrotas, deixar para trás as vitórias.

A vida não é um recontar infinito do ontem, não deve ser.

Ainda bem jovem, Artur procurou refúgio na ilha isolada em meio ao oceano. A ilha de Adamir, escondida no país da paz. Queria fugir de um dom que lhe foi confiado. Deu-lhe a deusa do templo de Leah, o poder de aconselhar. Mas nem sempre seus conselhos eram alento à alma daqueles que o buscavam em aflição e, diversas vezes, lidou com a fúria, a vingança e a dor.

Chegou um dia em que não mais conseguiu suportar as palavras e suas conseqüências e partiu de Leah, sua cidade natal, decidido a tornar-se um ser anônimo e completamente só, circundado apenas pelos livros e a natureza sublime. Mas aos poucos, andantes foram se instalando na ilha de Adamir. Náufragos, exilados, fugitivos da alma, assim como ele. E, a contragosto, tornou-se novamente um conselheiro. Descobriu que não se foge do que é. Cada um recebe potencialidades, às quais precisa corresponder. A existência é a prova maior que deve enfrentar o ser humano que se propõe a trilhar o caminho da evolução.

Desistentes, entregam-se ao acaso, tornam-se filhos da amargura, frustrados, perdem sonhos e ideais. Artur decidiu lutar e levar adiante a missão que lhe foi destinada. Era agora o mestre das crianças de Adamir. Mas não queria ensinar apenas o caminho dos homens, das letras, das palavras. Só seria um grande sábio, quando ensinasse o caminho dos sonhos. O único capaz de ir além do tempo, além das nuvens...

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