MEU AMOR, O BOTO (CAP. 6 DE 9)

Isabel não acreditou no que havia escutado. O impacto da notícia foi tão forte, que a moça chegou a se desequilibrar do banquinho. Aos sussurros e com os olhos arregalados, ela perguntou:

-Sabia o quê?

- Sobre sua mãe - e dona Chica finalmente resolveu encarar sua neta -Eu sempre soube que ela não morreu.

Silêncio total. Isabel fitou os olhos da avó, como se não houvesse entendido absolutamente nada. Zonza, quando os pensamentos começaram a se encaixar novamente na sua mente, a primeira coisa que ela foi capaz de articular para dizer foi:

-Eu fui traída pela senhora também. Já não bastava minha mãe?

Os olhos de Isabel destilavam ódio e dona Chica tentou apaziguar.

- Se sua mãe fez o que fez, ela teve as suas razões.

- Que razões, vó? Como ela pôde ser capaz de abandonar eu e minha irmã aqui? E por outro homem?

- Vocês não foram abandonadas. Eu estou aqui. Seu pai também.

- Irene estava grávida.

- Irene vive em um mundo a parte desde que emprenhou do boto.

De repente uma idéia terrível tomou conta da mente de Isabel. E ela agarrou o braço da avó, quase gritando:

- Ela está com ele, não está? Minha mãe está com o boto?

Dona Chica não pôde deixar de rir.

- O boto está no rio, minha neta. Sua mãe fugiu com um homem comum, como todos os outros.

Isabel deixou escapar um suspiro de alívio e perguntou:

- Quem é ele?

- É um caixeiro-viajante. Veio algumas vezes aqui na vila. Eles se conheceram, apaixonaram-se. Seu pai vive no bar, bêbado, nunca se deu conta de nada. Ele prometeu outra vida para Marisa. Por isto ela partiu. O que seu pai podia oferecer para sua mãe? Mais nada. Nem nunca pôde.

- Por que ela casou com ele, então?

- Não sei - respondeu a velha - Talvez ela não tivesse opção. Não havia nenhum outro pretendente melhor aqui na vila.

- A senhora… fala com ela?

- Ah, algumas vezes chegam cartas. Ela troca o nome, mas é minha filha. Marisa sempre pergunta por vocês.

- Como se isto adiantasse alguma coisa - vociferou Isabel, furiosa.

A jovem levantou e foi buscar um copo de água para se acalmar. Quando retornou ao banquinho defronte à avó, sua raiva e mágoa ainda não haviam desaparecido.

- Eu fui enganada por minha própria mãe. Fomos para o leito do rio esperar o boto. Acreditei que ela desejava muito ter com ele. Então caí no sono... E minha mãe desapareceu. Fez acreditarmos que estava morta. E a senhora, minha avó, não foi capaz de contar a verdade! - acusou Isabel.

- Ela implorou que eu não fizesse isto. E em nome da felicidade da minha filha, eu jurei que jamais contaria nada a ninguém - dona Chica passou a mão nos cabelos escuros de Isabel e perguntou - Entenda os motivos da sua mãe, menina. Você suportaria viver infeliz ao lado de um homem que não pode lhe dar mais nada?

A jovem não respondeu. Dona Chica continuou:

- A mulher que conhece o prazer nos braços do boto jamais se contenta com pouco.

A princípio Isabel não entendeu bem o que sua avó quis dizer com aquilo. Em silêncio, ela tentou assimilar o que estaria por trás daquelas palavras.

- Você está falando de quem? Irene?

- Não, minha neta. Estou falando sobre sua mãe.

Fechando os olhos com força, Isabel sentiu vontade de sair correndo da casa da avó. Talvez tivesse se enganado. Escutara mal. Era melhor ir embora a escutar mais revelações. Sinceramente, ela não queria saber de mais nada.

- Não estou entendendo coisa alguma.

Isabel ficou em pé, porém dona Chica a puxou de volta para o banco. E com a voz firme, disse:

- É tempo que você já saiba de certas coisas.

O coração da garota batia descompassado. Sua mãe, dada como morta há meses, reaparecera bem viva e bem acompanhada. Qual segredo mais ela possuía?

- Então me conte - desafiou Isabel, mais furiosa ainda - O que eu preciso saber?

- Quando tudo aconteceu, sua mãe estava casada com seu pai há pouco tempo. Irene já havia nascido e… bem, o casamento já não era lá estas coisas. Seu pai nunca foi um homem carinhoso, nunca tratou sua mãe como uma mulher deve ser tratada. E quando ficava bêbado, tudo piorava. Bem, a coisa se deu em uma noite de junho.

Sentindo um frio na barriga, Isabel encarava sua avó com os olhos arregalados. Preferia não escutar o que vinha pela frente.

- Seu pai bebeu demais em uma festa de São João. E bateu na esposa. Marisa se afastou das pessoas e foi chorar na saída da vila. Foi quando ele apareceu.

- Ele? Ele quem? Meu pai?

Impaciente, dona Chica suspirou:

- Ele, Isabel. Ele! O moço levou sua mãe para o leito do rio e de lá ela só saiu ao amanhecer. Nas semanas que se seguiram eu vi que ela estava diferente. Tal qual Irene. Descobri logo que Marisa estava grávida e de quem. Ela nem precisou me contar. Só nós duas sabíamos quem era o pai.

- Você quer me dizer - e Isabel quase não tinha voz para poder se articular - que minha mãe teve um filho com o boto?

Dona Chica balançou a cabeça, fazendo que sim, sem dizer mais nada.

- E onde está a criança?

A velha ficou alguns segundos em silêncio. Então apontou para Isabel e disse, com a voz firme e clara:

- Na minha frente.

... CONTINUA ...

Patrícia da Fonseca
Enviado por Patrícia da Fonseca em 06/07/2012
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