MEU AMOR, O BOTO ( CAP. 8 DE 9)

Os dias foram passando lentos, tristes e absurdamente iguais para Isabel. Enquanto vagava a esmo pela vila, ela não cansava de dizer a si mesma que segredos jamais deveriam ser revelados. Tinha sido muito cruel descobrir que a mãe dada como morta estava viva - e muito bem viva. Josias não era seu pai de verdade e o sobrinho também era ao mesmo tempo seu irmão. Se ela simplesmente não soubesse de nada, poderia passar a vida toda sonhando com o amor do boto, mesmo que ele jamais aparecesse na sua frente uma vez que fosse. A quem entregaria o seu amor agora?

E a realidade se apresentou dura e crua. Na vila outra menina ficou grávida e a própria fez questão de espalhar que o filho era do boto. Isabel levou um choque. Preterida outra vez? Mas a verdade logo veio à luz e foi revelado que o filho tinha um pai de duas pernas e era o namorado da desavergonhada. De qualquer forma, Isabel acusou o golpe e, aos poucos, começou a emagrecer.

Josias não percebeu a magreza da filha, pois vivia bêbado. Irene, às voltas com o bebê só foi se dar conta que algo esta errado quando reparou que a irmã passava mais tempo na rede que em pé. Assustada, Irene foi atrás da avó. Esta não deu muita importância ao fato e sem tirar os olhos das suas rendas, sentenciou:

- Coisa de menina. Isto passa.

Mesmo assim, Irene voltou para casa mais angustiada do que nunca, com o filho empoleirado na cintura. Naquela noite Isabel já estava tão fraca que não conseguiu sair da rede para preparar o jantar. Sem muita prática, Irene se viu obrigada a ir para a cozinha antes que mais alguém da família morresse de fome também. E, apesar dos insistentes pedidos da irmã, Isabel se recusou a comer.

No outro dia a história se repetiu. Isabel somente tomou alguns goles de água e engoliu, a muito custo, pedacinhos de pão. Sem ânimo nem para se mexer, Isabel viu o dia se arrastar ante seus olhos. Às vezes ela dormia um pouco, sono interrompido muitas vezes pelos arrulhos do sobrinho-irmão. Sem o amor do boto - ou a perspectiva disso - Isabel simplesmente desistiu de viver.

A noite de lua cheia caiu mansamente. E a vila estava em festa. Uma grande quermesse se armava e a animação já era grande. Irene enfeitou-se toda com fitas no cabelo e um vestido novo rendado, presente de dona Chica. Noites de festa, noite do boto. Certamente ele apareceria e… quem sabe?

Quando Irene foi ver a irmã, encontrou-a dormindo. E sacudiu os ombros em sinal de pouco caso, mas quase satisfeita. Menos uma para tentar o boto, disse Irene para si mesma, pegando o filho nos braços. Com passos apressados, deixou o pequeno aos cuidados da avó e, faceira, tomou o rumo da quermesse.

... CONTINUA ...

Patrícia da Fonseca
Enviado por Patrícia da Fonseca em 28/07/2012
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