Sapo

Conta-nos a história, que no período da idade média, época de grandes invenções, houve descobertas consideráveis das quais muitas trouxeram contribuições à humanidade e que são utilizadas até nossos dias. Evidente que sempre que se cria ou inventa-se alguma coisa, naturalmente este feito será aperfeiçoado. Pelo menos tem sido assim, e este é o curso normal. Este preâmbulo serve para que se tenha uma idéia do que vamos narrar.

Em um velho casarão, típico dos impressionantes contos de terror, reunidos à volta de uma mesa estava o grande mestre, cientista de renome, aquele de olhar penetrante, sábio como poucos e de quem ninguém ousava duvidar, tamanha era sua crueldade perante a sociedade. A sua volta, três ou quatro discípulos ávidos por descobertas. Todos os olhos convergiam a um único lugar, o centro da mesa. Ali estava o personagem principal, que se perpetuava através de seu sacrifício.

Com voz firme, onde o silêncio era total, sequer a respiração dos presentes era sentida, o mestre ordenou: Pula sapo! E o sapo sabendo estar numa posição inferiorizada, imediatamente pulou. O mestre fez suas anotações, breve comentário, sob o olhar atento de todos e, prontamente utilizando-se de um bisturi, decepou uma das patas do sapo.

Novamente ordenou: Pula sapo! E não é que o sapo, agora um pouco mais assustado pulou. Pareceu ao mestre normal, ainda restavam-lhe três patas. Tinha que continuar a experiência - para isso estavam ali. Devemos ir às ultimas conseqüências disse ele. Novamente utilizando-se do bisturi, retirou a segunda pata do anfíbio, ordenando-lhe que novamente pulasse. Sem toda aquela agilidade pulou, num espaço menor, mas pulou. Estava concluída mais uma etapa. Era irreversível, o sapo parecia estar conformado com a situação. Não esboçava nenhuma reação que demonstrasse insatisfação. Estava vencido.

Alguns dos que presenciavam a cena pareceram incrédulos ao novo comando de saltar ao sapo pelo mestre, depois de ter-lhe sido cortada a terceira pata mas; não é que o sapo pulou. Afinal já era vício obedecer, reclamar pra quê ? Estava cansado. Exausto.

Com uma pata só, grandes pálpebras caídas a esconder seus sentimentos que por certo eram visíveis a quem os visse, portava-se como um servo. Não tinha mais como se equilibrar. Talvez apenas pudesse rastejar.

Impiedosamente a olhos profanos, seguia agora com atenção redobrada a experiência. Cada espaço era disputado pelos poucos privilegiados na busca de uma melhor visão. Quem sabe de um som que viesse de nossa cobaia. Cada segundo era importante. A história estava sendo escrita e por certo seria repetida por muito tempo.

E novamente outro comando foi dado. E novamente, reunindo forças inimagináveis, o sapo com uma pata só pulou. Claro, não foi seu melhor salto, mas também não decepcionou. E mais uma vez, ainda que com muitas dificuldades sua tarefa foi cumprida.

O brilho do bisturi chamou a atenção de todos, firme na mão do grande cientista que se punha a decepar a última pata do valente sapo. Valente sim, no sentido de assimilar tão bem suas fraquezas. Parecia estar amordaçado, mas não demonstrava medo.

Rápido como é próprio daqueles que têm convicção, com um golpe certeiro embora sem ter a preocupação de maiores cuidados, concluiu aquilo que dispunha, cortou-lhe a ultima pata. Talvez, a última esperança de quem luta apenas pela sobrevivência.

Agora, imóvel, incapaz de qualquer ação aparente recebeu a voz de comando: Pula sapo! Desta vez o sapo não pulou. Novamente e repetidas vezes lhe foi ordenado: Pula sapo! Pula... mas o sapo não pulou. Gostaria de pular, obedecer aquele comando, mas já não dependia de suas forças.

Estava concluída a experiência.

Com ares de haver cumprido de forma competente e poder dar satisfação a quem dele esperava, concluiu o cientista:

“O Sapo após ter suas quatro patas cortadas FICA SURDO”