UM CONTO DA FLORESTA

Era um pequeno avião. Singrava os céus amazonenses, em dia de grande temporal... Maior do que o normal e, grandes relâmpagos cantavam trovões ensurdecedores...

No avião, um solitário. Seguia para o sul após trabalhar em uma expedição. Visou o painel. Via-se quase sem combustível. Olhou para o céu. Um raio riscou sua pupila... Dilatada... Assustada... Pensava! O que fazer? Não sabia sua localização, parecia que o painel tinha enlouquecido. Viu uma pequena clareira... Forçou o pouso... Conseguiu com muito esforço... Um barulho!

Percebeu logo após, que sua aeronave estava imóvel em frente a enormes árvores...

Quando abriu os olhos, realmente, a sensação é que havia dormido por muito tempo. De fato, quando decolou, do Amapá, parecia, por entre as nuvens, que o sol estava a pino. E agora a manhã era alta, mas só naquele momento o sol matutino despontava por detrás das grandes árvores.

Sentiu algo bater na janela do avião. Outra vez, e outra vez. Eram pequenas pedras em sua direção. Buscou assustado o autor, pois, ali quem poderia ser então?

Surpreso, observou estático, a figura de olhar curioso e assustado, um jovem nativo, simpático. Era um Tupi Guarani! Sem dúvida era... Num átomo de tempo estava fora da cabine e, na tentativa de reorganizar as ideias, não reparou que havia ficado tão perto daquela criatura altiva e singular. Um jovem índio de porte atlético; se fosse hostil já o teria derrubado. Calado, tentou algo, falou:

-Eu Cari (homem branco)... Abaré... Aê (amigo). Arriscou seu tupi, língua que estava aprendendo.

O Tupi sorriu blandicioso e replicou:

- Ajubá (apontando detalhe, amarelo, na roupa do piloto perdido).

Deveras, estava meio pálido mesmo. Diante das circunstâncias afinal e, se sentia um pouco enfraquecido...

A partir daí se estabeleceu um vínculo... Uma história que melhor será contada pelos próprios personagens...

...Quando me dei conta, aquele ser quase mítico pegou em minha mão e, por pouco me arrastando para o meio da floresta, deteve-se junto a uma Itapeva (laje de pedra) onde diversas frutas ali estavam. Ele pareceu adivinhar a minha fome. Pus-me a saciá-la com açaí, ananã, abacaxi, pitanga e muitas outras frutas, além de castanhas (chamadas de akaîuti).

Após a frugal refeição, comecei uma aventura com aquele índio. Passando por pequenas picadas, abertas no meio daquela floresta virgem, me deparava com quadros quase paradisíacos, celestiais... Ora arapuãs (abelhas redondas) sobrevoando flores de coloridos diversos, ora margeando rios de águas límpidas, refletindo o voo dos acarás (aves brancas) que ali se reuniam, outras vezes era o canto do Uirapuru me fazendo extasiado, ante a diversidade de cores nos pássaros a nos seguir... Tudo foi se tornando um atrativo para mim... E fui me acostumando, rapidamente, com a aventura inesperada, mas sadia.

Não me dei conta do tempo. Já havia se passado muito, pois, ao olhar para o céu, por entre as copas das árvores, via que a tarde ia puxando o manto de escuridão sobre aquele rincão. Paramos próximo a uma pequena clareira. O Guarani, agora quase meu amigo, me apontou!

-Amarê (fumaça).

Reparei que havia uma pequena fogueira mais distante, e uns três homens ao seu redor. Riam-se, falando coisas ininteligíveis para nós; poderiam ser estrangeiros... Mantinham alguns animais aprisionados. Eram caçadores. O índio me olhou, profundamente, e naquele instante entendi a tarefa daquele ser solitário no meio daquela floresta. Combater a exploração criminosa de animais e depredação do ambiente natural. Seu lar.

Quando escureceu por completo, grandes quantidades de animais se juntaram a nós. Pássaros, roedores, macacos, feras (onças, jaguatiricas, Guarás), cobras e até milhares de formiguinhas (aimirim) passaram por nós em direção ao acampamento.

Ai aconteceu o mais surpreendente. Alguns pássaros grandes bateram suas asas próximas ao fogo, apagando as chamas. Logo em seguida as formigas, os roedores e as cobras penetraram pequena tenda expulsando os bandidos do seu interior que, vendo-se na escuridão e com o barulho das feras e dos outros animais, fugiram aterrorizados pelo meio da floresta... Salvamos todos.

Após, seguimos floresta adentro guiados por um cordão de Uanás (vagalumes), iluminando aquela escuridão, até o alto de imensa árvore onde fora improvisada pequena casa. Ali adormecemos.

Sonhei! Com meus pais... Minha mãe passava o café. Meu pai, à mesa, folheava o jornal. Pareciam um pouco tristes... Mais velhos... Será que já sabiam do meu desaparecimento? Quando acordei ainda estava escuro, parecia que repousara por muito tempo. Chamei o índio. Falei em voltarmos ao avião. Antes, porém, guiados pelos Uanás, fomos até um “lugar alto”, um araxá, “onde primeiro se avista o sol”. E aguardamos o seu apoteótico nascer.

Ao raiar daquela manhã, começamos procurar o local onde aterrissei. Encontramos, após longo tempo, uma clareira. Ali os escombros de pequena aeronave, tomada pela ferrugem e o mato. Mais adiante um corpo, mais osso que carne. Ambos não identificados, por mim. Olhei aquele local e pensei... Era muito diferente, todo aquele cenário de anos... Eu acabara de chegar. Era uma história muito parecida... Mas, por aqui devem acontecer muitos fatos parecidos... Hesitei! Fui tomado de compaixão por aquele... Temi que não mais me encontrassem... Naquele instante o Tupi tocou meu ombro e, me tirou das divagações. Antes de partirmos, fizemos uma oração a Tupã (deus do trovão) para aquela alma. E desaparecemos no meio da floresta escura...

... E assim, passou-se a ouvir as histórias, entre os moradores das vilas, próximas àquela região, sobre o Guerreiro indígena protetor da floresta, seguido, agora, de um Cari.

Este, o homem branco, era um amanajé (mensageiro) dos espíritos da grande floresta, Dizendo: Devemos todos nos unir para salvarmos esse patrimônio da humanidade, para as próximas gerações. A Floresta Amazônica!