O BURACO.

Há algum tempo ele começou ali como exatamente começam todos os buracos dos caminhos, a princípio imperceptível ao mundo menor que só enxerga as grandes e disformes crateras.

Ele nunca foi um buraco digno de nota porque quando alguém se sentia incomodado por ele logo acionava os desvios imediatos a cismar consigo por que, raios!, havia os chatos que se incomodavam com um simples buraquinho.

Tanto assunto mais importante a se discutir pelo mundo acolá realmente esburacado, e não seria um buraquinho inexpressivo de cá que tomaria o espaço que já não lhe caberia.

Todavia, com o passar do tempo que tudo transforma, o tal buraco ganhou certa importante notoriedade.

Ninguém entendia o fenômeno, mas o buraco começou a ser notado e discutido no bairro, na farmácia, na feira, no supermercado, nas redes sociais, enfim, o buraco foi notificado às autoridades competentes.

Sinalizaram o buraco com um galho de árvore bem grande : “atenção, aqui existe um buraco, desvie seu rumo sob pena de esburacar seu caminho”.

E todos prontamente dele desviavam sem maiores contestações.

E o buraco algo esquecido tomou força.Sua árvore criou raízes.

Cresceram ambos a ponto de ser publicado no jornal. Deu na manchete:

“Grande buraco-cratera engole árvore e avenida”.

Seria mais uma tragédia anunciada?

Então, o povo que queria conhecer o tal buraco bem de perto, convocou uma passeata comunitária pela internet.

Que buraco seria aquele que mesmo sinalizado engolira sua sinalização enraizada e todos os principais caminhos da comunidade?. Assim, depois de constatado, o povo assustado chamou os religiosos para ecumenicamente abençoarem o buraco...e os caminhos.

Todos rezaram fervorosamente para que o buraco se acalmasse e para que a árvore descansasse em paz.

O governo prontamente comunicadodo do fato esburacado encaminhou o buraco para a pauta das considerações extraordinárias.

Por decreto, a autoridade de trânsito foi incumbida de multar qualquer cidadão que se aproximasse do buraco: Questão prioritária da autoridade da defesa civil.

O povo se sentiu protegido como nunca dantes havia sido visto. Agradeceram ao buraco milagreiro...que não deu trégua.

Certo dia, um cidadão desavisado da existência do buraco caiu dentro dele enquanto caminhava pelo seu direito garantido.

Gritou por socorro e uma semana depois foi removido pela autoridade competente e levado para a delegacia. Era mais um milagre do buraco, dizia o povo. O buraco estava prestes a ser canonizado pelo clamor popular que sempre espera pelos milagres..

Depois de salvo do buraco e aliviadamente já fora dele, na delegacia o cidadão foi comunicado:

“O senhor está no xilindró!”-disse-lhe o delegado-“desacato à autoridade do buraco!”.

-Óh, exclamou o povo! Já estamos sem caminhos...

O cidadão, então, preso sem ser julgado, virou nova manchete.

A ” revolta popular do buraco “ foi mundialmente conhecida. Posteriormente foi até registrada pelos grandes historiadores dos buracos históricos.

Chamaram o jornal local e a mídia internacional, os representantes da comunidade, as entidades de classe, os ministros dos ministérios de todos os caminhos desencaminhados, o congresso, a defesa dos direito humanos, absolutmente todos contra a permanência daquele incontrolável e estabelecido buraco.

Não teve jeito. Ninguém sabia o que fazer....o buraco já era mais poderoso que todos juntos.

Então chamaram um poeta para abrir todos os caminhos com a força da poesia.

O poeta gritou: “em meio ao caminho havia apenas uma pequena pedra...”

-Óh!- Exclamou o povo-estamos salvos!

Mas o poeta avisou: “ a pedra também já foi engolida pelo buraco...”.

E todos triste e poeticamente entenderam:

ERA TARDE DEMAIS...porque o buraco era infinitamente bem mais embaixo.