A canção.

Ainda lembro-me dos dias de brisa, quando você acariciava minhas folhas, me fazendo dançar. Da felicidade que sentia com os seus carinhos que me faziam cantar minha canção. Dos momentos em que você estava distante, e eu estalava queixoso por sentir sua falta. Mesmo disso sinto uma agridoce saudade.

Todos os dias eram especiais, por que tinha você sussurrando em meu ouvido segredos e promessas. Mesmo quando te transformavas em forte ventania, eu me sentia feliz por vergar e suportar sua raiva, pois sabia que apenas estavas infeliz e queria alguém para te ouvir e dar carinho.

Mas um dia, vieste carregando um aroma diferente e nunca mais foi brisa. Sem que eu entendesse o porquê, você se tornou um constante vento de tempestade, cada vez mais e mais forte.

Um vento que me despiu de milhares de folhas, partiu dezenas de galhos e me vergou com tanta força, que rachou meu tronco.

Depois disso, você partiu e eu nunca mais soube do seu paradeiro. Com sua ida, não recebi mais carinhos e deixei de dançar. De ouvir historias de terras distantes, segredos e não cantei mais.

Por um longo tempo fiquei em silencio e te odiei. Cada dia algo mais.

Até que me dei conta da verdade.

Nunca poderíamos ficar juntos. Da forma que sonhei. Pelo tempo que sonhei.

Você é o vento, livre, inconstante e sem devoção. Enquanto eu sou resiliente, forte e imutável.

Nunca tiveste raízes... E não as quer.

Já eu, possuo raízes profundas e fortes.

Quando isso me ocorreu, voltei a cantar minha canção. Só que agora, ela possui uma nota de doce tristeza. Ela mudou. Pois mudei.

Minhas miríades de folhas, em seus infinitos tons esmeralda, deixaram de existir, assim como muitos de meus galhos e o lustro de meu tronco.

Nas poucas folhas que restaram se instalaram novos tons de um tristonho amarelo, meu tronco tomou para si a mesma cor triste e várias rachaduras se fazem notar.

Nas vezes que penso em você, a canção se torna amarga e chego a desejar que meu tronco se parta. Mas logo passa e apenas a saudade e a tristeza ficam. Então canto para mandá-las embora.

Já não tenho ódio de você meu querido vento, só não o quero mais ao meu redor. Tenho um profundo carinho por você, na verdade ainda te amo. Já que por sua causa, descobri minha força.

Pois apesar da vida roubar o que amo e me curvar até que eu rache e não queira mais cantar.

Eu não quebro.

Pois sou o bambu.