SOBRE OVELHAS E LOBOS

Certa vez, cansadas de serem pasto dos lobos, as ovelhas se reuniram para tramar um meio de vingança.

Variadas sugestões surgiram, mas nenhuma se mostrou prática ou eficaz.

Quando a esperança de vingança estava prestes a morrer, eis que a ovelha mais idosa e sábia disse:

"A única coisa que os lobos entendem é a violência. Devemos ser violentas como lobos e assim os predar, tal como eles o fazem!”.

Enorme foi o clamor de aprovação e júbilo, pois a ideia da ovelha idosa era tão completamente contrária à natureza de suas semelhantes, que nenhuma outra sequer havia ousado sonhar com tal coisa.

Aprovada a sugestão, reuniu-se o maior número de ovelhas que já se vira. Tantas eram, que na distancia, tinha-se a impressão de que as nuvens haviam trocado o céu pela terra.

E durante dias elas marcharam em direção ao covil dos lobos, felizes e confiantes.

Ao chegarem, foram recepcionadas com uivos de escárnio e incredulidade, pois jamais se ouvira dizer que ovelhas caminhassem em direção aos seus predadores de forma tão petulante. Todos os lobos se puseram a rir e se felicitar pela chance de terem tanto alimento à disposição.

Menos o líder da matilha, um enorme e poderoso lobo negro, pois havia percebido que algo não ia bem. Que algum fato completamente inédito e fora da ordem das coisas estava para acontecer.

Quando o primeiro lobo, jovem e impetuoso, correu em direção as ovelhas, que o líder da matilha teve certeza que a ordem natural havia mudado.

Pois as ovelhas não corriam do lobo. Corriam em sua direção.

Como ondas, as ovelhas se lançaram contra os lobos, que boquiabertos não acreditavam no que viam.

As tão pacatas e covardes ovelhas lutavam. Elas mordiam, batiam e pisavam nos lobos com grande ódio em seus corações.

Para cada pilha de ovelhas caídas, um lobo tombava.

Após dias de combate, os campos se encharcaram de sangue e apenas algumas ovelhas e o enorme lobo negro ainda lutavam.

Cansado e vendo que o tempo de sua espécie havia acabado o lobo também fez algo antinatural. Ele se rendeu.

Os gritos de vitória foram tantos e tão retumbantes, que silenciaram todos os outros sons. O grande líder dos chacinados, foi posto a ferros e humilhado pelos vencedores. Ainda assim, sorria, pois havia percebido com clareza a nova natureza das coisas e tudo o que havia por vir.

Quando foi posto no cadafalso, para ser executado da forma mais humilhante, o lobo negro então, se dirigiu as ovelhas com nobreza, dizendo:

"Hoje, nós os lobos, deixaremos de existir. Desde o início dos tempos, fomos temidos por nossa sanha de sangue e por nosso espírito cruel e belicoso. E devido aos nossos atos, geramos um enorme ódio contra nós, que acabou por ser nossa ruína. Mas nosso legado viverá, pois uma nova espécie tomou para si esse fardo."

E rindo ofereceu seu pescoço ao verdugo.

A pele do líder dos lobos foi arrancada e oferecida à ovelha mais valorosa na luta, e assim, ela se tornou a senhora de todas as demais.

Inchadas de orgulho e cheias de sua recém-adquirida violência, as ovelhas se tornaram cada vez mais semelhantes aos seus antigos algozes. E várias mágoas nasceram entre os demais animais. Após gerações, as mágoas acabaram por virar ódio.

E eis que um dia, cansadas de serem pisoteadas e mortas pelas ovelhas, as lebres se reuniram para imaginar uma vingança.

E toda a história se repetiu. Por infinitas vezes. Todos os animais, da terra, do mar e do céu, tiveram sua chance de ser a espécie mais cruel, de ser o mais forte.

E todos se arruinaram.

E devido às guerras que se seguiram uma após a outra, por gerações, o mundo acabou por ser tornar um vasto deserto rubro, pois o sangue de incontáveis criaturas maculou a terra e as águas, secando todas as coisas, deixando tudo árido e vermelho.

Até que o fim chegou. Para tudo e todos.

E sentada no meio do deserto, envergando sua túnica feita das peles, penas, escamas e conchas de todas as criaturas que um dia viveram, ficou a morte.

Rindo de todos.