Um drink.

Mais uma longa noite, que seguiu um longo dia.

Meus pés me levam até o mesmo pub. Um lugar velho, mal conservado, tristonho e sem charme. Assim como eu.

Entro, como sempre, o lugar está vazio, no entanto, há uma neblina, o acumulo da fumaça de cigarros a muito queimados, que jazem nos cinzeiros. A atmosfera é sufocante, mas não me importo. Nunca me importei.

Ao fundo, Cash fala sobre seu tempo em Folson, o velho jukebox faz a profunda voz ficar ainda mais grave.

Sento-me no balcão, em meu lugar de sempre.

Então ela aparece. A bar tender, a mulher mais linda que um homem já viu.

Sua pele bronzeada, aveludada, coberta de desenhos das mais variadas coisas, chega o mais perto possível do ideal.

Seus cabelos, longos, sedosos, brilhantes, possuem mechas multicromáticas, em inumeráveis tons. Parece ter vida própria.

Os olhos, tais quais duas joias, poderiam tirar a razão de qualquer um, pois seria fácil se perder por elas.

Ela caminha atrás do balcão em minha direção, seu corpo perfeito, se movimenta de forma provocante, quase obscena, parece hipnotizar.

Com um sorriso lindo, meio cruel, ela me encara e com sua voz profunda, diabolicamente sensual, faz a pergunta tradicional.

-E então? Qual será o seu drink hoje?

Respondo enquanto acendo um cigarro.

-Não sei. Uma mentira talvez. Mas uma diferente. Uma doce. Isso! Uma mentira doce.

A bar tender joga a cabeça lentamente para trás, enquanto ri. Seu riso é quase um ronronar.

Tenho o drink perfeito para você, my darling.

Ela se vira em busca das garrafas e apetrechos para preparar a mistura. Ergo-me e vou até o jukebox, escolho uma antiga canção de Cash, ela fala sobre uma flor de luz em um deserto de escuridão. Volto ao meu lugar e ao sentar, ela está sorrindo, um sorriso deliciosamente cruel. Sobre o balcão, o drinque, ele é verde azulado no topo, marrom no fundo, está servido em um copo comum, desses que qualquer boteco possui.

Olho a mulher nos olhos e com o sorriso mais descrente pergunto.

-É bom?

Ela cruza os braços, entre um movimento da cabeça para arrumar o cabelo, responde.

-Sim. De todas as mentiras, a mais doce. A que faz os homens viverem e morrerem. É muito doce no início, quase enjoativa. Mas no fim, deixa um gosto amargo na boca.

Tomo o copo em minhas mãos, examino o líquido contra a luz, a bebida parece brilhar, como se todas as estrelas estivessem ali, dançando.

Sem fé na escolha da jovem, levo o copo aos lábios e sorvo o drink em um só gole.

A descrição estava correta. Muito doce. Deliciosamente doce.

Estranhamente me sinto feliz e renovado. Nesse instante, o mundo me parece voltar a ser jovem e bom. Como se tudo fosse eterno, reconfortante e conspirasse para que a felicidade me fosse parceira por toda a vida.

Sorrio o mais estupidamente possível.

-Não senti o amargo.

Escondendo o copo e limpando a marca redonda deixada pelo líquido no balcão, ela meio que rindo me diz.

-Leva tempo até que o sabor amadureça na boca. Gostou?

Com um movimento de cabeça, afirmo que sim.

Levanto-me buscando a carteira no bolso da calça, mas com um gesto, a mulher faz com que eu pare.

-On the house.

Novamente sorrio da forma mais débil, como se agradecendo.

Em meu caminho para a saída, a bar tender me convida.

-Venha amanhã. Terei dois drinques muito bons para você. Chamam-se "decepção" e "melancolia". Os mais consumidos.

Tolamente feliz, novamente respondo positivamente com um movimento de cabeça.

-E qual o nome do drinque de hoje?

Com um sorriso doce e surpreso, meio triste, ela responde com sua voz de musa.

-"Amor", my sweet. Chama-se "amor".

Olho para o teto e feliz como nunca estive antes, recito estupidamente.

-"Amor". Bom nome. Bom drink.

Balançando a cabeça de forma desaprovadora, ela sorri enquanto enxuga o copo recém-lavado.

Já com o pé na rua, me viro. Olho para a figura atrás do balcão e algo vem à mente, nunca perguntei o nome dela.

-Como você se chama? Qual é seu nome?

Surpresa pela pergunta, ela me oferece seu sorriso mais terno.

-Vida. Meu nome é Vida, my darling.

Coloco minhas mãos na cintura e sorrindo repito.

-Vida...

E apesar de estar tremendamente feliz, deixo escapar, por entre um sorriso, da forma mais doce e estúpida.

-Cara... Eu te odeio...

Envergonhado e sem entender minha própria atitude, me viro e vou embora.

Rindo sozinha por trás do balcão, Vida apenas sussurra.

-A maioria odeia my darling... A maioria...

TTAlbuquerque
Enviado por TTAlbuquerque em 24/10/2013
Reeditado em 06/11/2013
Código do texto: T4539576
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