Fala-se-as orquídeas falassem

Era louco por orquídeas. Nossa! O espetáculo da natureza! Deu-lhe na supitanca desejar ter orquídeas. Procurou por todos os lados sementes, mas não as encontrava. Diziam-lhe é muda. Muda uma ova! O Pensamento está distribuído no mundo! Lembrou-se afoitamente do que lera apressadamente de Hegel. Ela pensa e se pensa fala. E mudo ficava, queria sementes para cuidar das orquídeas desde suas vidas intra-uterinas. Como não encontrasse sementes de orquídeas à venda, apenas de patas-de-vaca, muito parecidas com as orquídeas, comprou-as convencido que fora pela lábia do floricultor, que assoprara em sua flauta, tudo que parece é! Sabia, por DNA (data de nascimento avançada) que não era bem assim, apenas tudo que parece pode ser. Era este o caminho, o do pode vir a ser. Não se deu por vencido, daria um jeito de ter orquídeas. Estudou genética, puxa como estudara, sabia das mutações e das influências do ambiente. Sabia também de rápidas leituras pelas chamadas de notícias em revistas que os bebês, ainda embriões e fetos, escutam tudo que se fala do lado de fora de seu útero, não se preocupou em saber os comos e procurou uma vida intraterrina para suas sementes. Ajeitou um canteiro onde pudesse ao lado se ajoelhar. Acolheu-as em pequenas covas e delas cuidou. Duas vezes ao dia ajoelhava-se ali e rezava para imaginados ouvidos em formação, você é uma orquídea! Você é uma orquídea! Escutaram-no e repreenderam. Explicou-se, mas como sua crença já havia se tornado verdade irrefutável, aceitou apenas o argumento final, são muitas sementes e você fala a elas como se fossem uma só. Retrucou, eu falo no coletivo e elas escutam no singular, só isto. Bem, pensou, se são muitas sementes serão muitas orquídeas. Passou tempos falando ao pé das covas Você é uma orquídea! Você é uma orquídea! E, sempre que notava aproximação de alguém, rezava em alto e bom som “vocês são orquídeas! Vocês são orquídeas!”. Precisava de ver sua satisfação quando as primeiras puseram seus pezinhos para fora da terra uterina que as recobria e continuou com sua ladainha diária, “vocês são orquídeas! Vocês são orquídeas!”. Viu-as nascer, nossa que lindas orquídeas! E passou a presentear suas amizades que as lambiam com olhos libidinosos. Um dia uma abelha aprendiz passou por ali e viu aquelas maravilhas que nunca vira, aproximou-se, lambeu-as com olhos de comerciante e perguntou, vocês são novas na Botânica? Não, a gente existe há muitos anos, sei quantos não, mas são muitos. O que vocês são? Somos orquídeas! A abelha aprendiz viu o louco por orquídeas ali ajoelhado e perguntou: que flores são estas? São orquídeas, elas não disseram? A abelha aprendiz fez sua dança no ar para voltar à colmeia. Depois veio um enxame de abelhas todas loucas para beijar orquídeas e delas tirar o néctar do prazer. Quando, enfim, se fartaram a abelha mais velha, preceptora da abelha aprendiz, chamou sua atenção: você ainda está muito bobinha, não são orquídeas, são patas de vaca! Mas elas disseram ser orquídeas! Aprenda de uma vez por todas, não importa o nome que se dê, o que importa é a essência do que se é!

Moral da história: Toda mentira repetida se torna realidade a todo olhar acrítico

Gilberto Profeta
Enviado por Gilberto Profeta em 11/04/2014
Reeditado em 06/07/2014
Código do texto: T4764768
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