Menina Morna - PARTE UM

Era uma vez uma menina suja, valente, masculinizada, esquisita e pra frentex. Um dia resolveu não mais tomar banho ou sequer lavar as mãos e assim por diante. Tinha assustado a todo mundo na família e sua mãe desconfiou que só vendo. Entretanto a mãe ao levar ela ao médico suspeitou de amigos invisíveis, escola que não educa e até do pai que vez e outra não tomava banho antes de dormir. Mas se enganara em acreditar nessas coisas. No consultório o médico analisou a criança e ficava rindo e troçando da menina em tom de brincadeira, pigarreou um pouco e olhou demoradamente pra a mãe aflita. e disse:

- Não tema minha senhora. Isso é normal nessa idade.

- Mas ela ficou esquisita com essa mania e morre de medo da água e de outros líquidos! E só bebe água quando eu insisto muito! - esbravejou a mãe com um pouco de razão e preocupação.

O doutor olhou pra menina e piscou para ela. Mas algo estranho emanava do olhar da menina, misto de braveza, rancos e tédio. E o médico lhe examinou duas vezes e, sempre rindo das caretas da garotinha, começou a pensar no que aquela senhora poderia exigir de si e de seu consultório. Por fim deu um suspiro e adiantou-se pra mãe que já estava hiper-nervosa. Argumentou com ela rápido:

- E se eu der um remédio e uma prevenção para a menina? Não seria isso que a senhora desejaria?

A senhora meio calma pela pergunta suave do doutor adiantou-se:

- E se ela piorar com isso? Vai ajudar?

- Sim, e muito. Contudo lhe previno que o que vou prescrever é nada mais que um placebo e um aconselhamento. E não diga a ela que o remédio de nada vale, só isso! Veremos até onde vai a teimosia dela...

- Entendi um pouco, e sei o que é placebo, mas se eu voltar terá tempo para mim e a birra dela? Espero que meu marido não suspeite de que o remédio seja inútil ou algo assim. Só queremos o bem da menina!

O médico disse que entendeu com o balançar da cabeça e sorriu para aquela mulher tão coruja com sua filhinha, pois tem filhos também e entendeu o recado. E a seguir escreveu uma receita rápida e a entregou

a ela com um dedo indicador nos lábios cerrados como a fazer um silêncio cúmplice e nada dizer.

Do consultório até em casa a dona de casa sentiu-se aliviada e deixou a menininha sua filha a brincar no quintal. Era hora de fazer a janta e estaria ocupada demais após ministrar o "remédio" à filha tão levada. O tempo passa e o marido chegava em casa. Olhou para a mulher temeroso do que aconteceu no consultório médico e perguntou:

- E a nossa pquenina? Tem algo errado com ela?

A esposa o fita demoradamente e sorri calmamente. Estava atarefada para o jantar e falou de modo sibilino:

- Vai ver que o SR. tem parte da culpa, não é mesmo?

- De que está falando? Diga algo para me acalmar...

- Ela não tem nadica de nada! E só não toma banho por birra ao que me parece! E o SENHOR que nem toma banho direito parece que fez a cabecinha dela. E nem o remédio que me prescreveram adiantará!

O pai sorriu nervosamente, tremendo nas bases e replicou:

- Então ela não tem nada? Que bom´! - tentando mudar de assunto - E eu a deixei esquisita? Sai dessa, ora essa!

O marido ao desconversar viu a menina lá fora de casa, no jardim a brincar com o irmão, e percebera que suas atitudes de sugismundo podem ter danificado as emoções infantis da filha e algo tinha de ser feito. E pensou em obrigar de modo sutil a dar um banho nela, quem sabe?

Olhou para a mulher e decidiu a dar o exemplo agorinha mesmo. Foi ao banheiro, abriu o chuveiro e tomou banho frio em pleno inverno para garantir coragem à esposa que naquela hora via-se ocupada em arrumar a mesa da sala. Secou-se e se vestiu rapidamente e encaminhou-se para sala de jantar e olhou sorrindo de modo bobo para as duas e seu filhinho pequeno. Todos se calaram e nem se surpreenderam com a afobação estranha do homem da casa. Só a menininha riu desbragadamente e sem parar diante do pai com cabelo desalinhado e sem pentear do pai. Na pressa ele nem sequer barbeou-se ou se penteou direito.

- Gostou, né, minha filha? Seu pai agora vai tomar banho todo dia!

E a garotinha emendou:

-...e vai deixar de comer doces e de namorar a mamãe! A-ha!

E todo riram sem parar. E no entanto o pai franziu as sombracelhas e encarou a filha espertinha com ar de surpresa. A mãe dela aparou a comida na boca e evitou rir mais daquela situação, quase se engasgara de surpresa tambem. E viu nos dois um ar de esperança para o fim da bobagem da menina.

- Minha filha, porque não imita o papai e toma banho daqui a pouco de pois da janta? Eu vou ficar feliz se fizer isso! - disse a mãe em tom zombeteiro. Será que a psicologia do pai tinha funcionado com aquela surpresa pós-banho diante de todos? A mãe rezou pela possíve mudança.

- Eu não tomarei banho e não adianta! Papai não é culpado por eu querer isso! Mamãe não fique nervosa, tá... - disse a menina em tom alto e cheio de gracejos. E todos se assustaram com a reação!

- Você tá ficando doida...de onde tirou a idéia? Se não tomar banho vai ficar imunda! E nós não queremos uma filha mendiga. ora essa! - gritou o pai já cansado da história toda - se comporte direito!

- Não gosto de banho! Me machuca toda e odeio água fria!

A mãe já aflita esperneou e ao levantar da cadeira assustou a teimosa da menina, pensando numa possível surra de chinelos. E a dona de casa aborrecida explode:

- SE NÃO TOMAR BANHO EU TE MANDAREI PRO ORFANATO! OUVIU BEM O QUE EU DISSE! SE FICAR SUJA FICARÁ DOENTE E EU TE JOGO NO HOSPITAL PARA TOMAR BANHO À FORÇA! OLHA LÁ ONDE VAI ESSA MANIA!

O pai intervem e diz, para apaziguar os ânimos:

- Mas essa menina não foi ao médico hoje? Que coisa!

- Fomos e ele me disse que parecia normal essa birra dela e que tudo que ela precisava era um remédio inócuo e do convencimento dela que ela está doente e precisa se cuidar. Lha dei o remédio e só agora ela resolveu se revoltar e esquecer meus conselhos de mãe! Parecia normal até agora e depois me vem com essa! Vá dar banho nela que te ajudarei a fazer isso, pelo amor dos deuses! Temos de forçar a barra, senão teremos de sustentar uma filha maluca no futuro, ora essa!!!

A mãe desata a chorar sem parar. O pai ficou tenso e olhou pros dois filhos, o menino calado e a filha teimosa fazendo caretas. Não sabia o que fazer desde o dia em que trocara as fraldas daqueles dois desde que eram bebês. Logo cogitou em forçar aquela criança a tomar banho d qualquer maneira. Pensou bem em bolar uma estratégia, mas tinha de acalmar a esposa supernervosa antes de tudo. Ser pai não se mede sacrifícios...quem sabe dará certo, se a mãe colaborar...

Porém o tempo passou e os pais decidiram não mexer com maribondo e permitiram à essa mocinha levada que levasse adiante essa infantilidade, e talvez durasse um ano toda essa brincadeira. Assim, se ela deixasse tomar banho a mesma perceberia que era um barco furado manter-se nessa teimosia, acabaria fedendo e tomaria vergonha por ser uma meninaninha muito relaxada ou algo assim.

E essa menina irredutível conseguiu por ora que sua vontade fosse mantida, porém algo ou coisa muito estranha a mantinha quieta e ensimesmada com a idéia. De sua parte um banho seria impossível, mas toda manhã ela sequer tinha mal cheiro e pensariamos que ela tomou algum banho escondida de todos, mas os pais tentaram já confirmar isso, mas foi ledo engano por semanas! O mistério continuou crescendo e aquela garotinha agia normal com quaisquer criança normal e etcetera, pois dia a dia sua aparencia sempre era a mesma! Seus cabelos continuavam lisos por meses a fio e os pais se lamentavam em deixá-la assim, sem banho ou perfumada. E o esquisito é que a mocinha crescia devagar e em um ano sequer notava-se um crescimento normal de uma garota de 9 anos para os dez! Algo de Peter Pan e Capitão Feio estava se formando naquela cabecinha? Quem sabe?

Sua infantilidade era normal e o medico que os atendeu há meses voltara, como sempre, a especular que essa coisa toda fosse psicologia própria de criança birrenta - pura cisma ou malcriação costumeira. Mas esse fato era impossível de sustentar. O doutor tranquilizava a família todo mês, mas sua verve de clínico e sabedoria pessoal dizia-lhe outra coisa, diante dos fatos estranhos. Se não tomava banho permaneceria limpa por outro motivo mais obscuro. E será que os pais teriam culpa nessa possibilidade? Entretanto foi descartado a hipótese, visto que os pais estavam muito mais surpresos do que o profissional. O médico encarou isso como desafio de compreender parte do mistério...

Jurubiara Zeloso Amado
Enviado por Jurubiara Zeloso Amado em 01/05/2014
Reeditado em 01/05/2014
Código do texto: T4790350
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