A HISTÓRIA DE REX  (EC)
  
 
 
Eu encontrei aquele cãozinho há questão de cinco meses, andando a esmo, naquela estradinha de chão e pedregulhos, que me levava ao pequeno sítio onde morava. Parecia exausto e judiado. Parei a caminhonete no acostamento e peguei-o - ele não esboçou nenhuma resistência; pelo contrário, aconchegou-se no meu colo, como se pedisse carinho. Levei-o pra casa, dei-lhe comida e água (ele estava faminto). Mais tarde fiz uma peregrinação pela vizinhança, tentando encontrar o seu dono. Nada!
 
No dia seguinte, após uma noite tranqüila de sono, na caminha que improvisei, saí, como todas as manhãs, para levar as verduras e legumes que eu mesmo plantava e vendia na cidade. Tinha minha clientela certa - os mercadinhos da pequena cidade,
a trinta quilômetros de meu sítio. Levava Rex comigo (este foi o nome que dei a ele), para o caso de alguém reconhecê-lo.
 
Ao passarmos por uma curva na estrada, coberta de vegetação rasteira, o pobre Rex enlouqueceu; uivava feito um lobo no cio, arranhando a janela do carro. Parecia querer saltar para fora da caminhonete, a qualquer custo. Segui meu caminho e não dei muita importância ao fato. Na volta para o sítio, ele agiu da mesma maneira. E assim se seguiram dias e dias. Ao passarmos pela curva, Rex latia, uivava e se tornava muito inquieto. Fiquei me perguntando o que estaria acontecendo, para que ele tivesse essa reação estranha, já que era um cãozinho amigo, dócil e carinhoso.
 
Em uma tarde chuvosa, recebi a visita do cumpádi Adolfo, morador do sítio do outro lado da estrada. Enquanto passava um cafezinho de bule para depois fumarmos um “pito de palha” (com o bom fumo que ele sempre trazia a tiracolo), e levarmos uma prosa gostosa, o Rex saiu para a varanda e cumpádi Adolfo tomou um susto. Rex colocou as patas em seu colo, ele, acariciando-lhe a cabeça e (pasmem!) chamou-o pelo nome de Lobo. Fiquei sem entender nada até que o cumpádi me esclareceu tudo, após eu contar-lhe onde, quando e como eu encontrei o cãozinho. Contei-lhe também da estranha reação que ele tinha, todas as vezes em que passávamos pela curva da estrada.
 
- Cumpádi (disse-me Adolfo). Lobo era de meu cunhado Pedro que o levava pra todo canto, na caçamba do caminhão, quando fazia suas viagens, como transportador de cana. Há uns meses, ele sofreu um acidente naquela curva. O caminhão derrapou e rolou pela ribanceira. Ele morreu na hora, mas o cão, ninguém mais viu. Ocê nunca notou aquela cruz na beira da estrada? Minha irmã me mandou colocar lá pra ele.
 
Eu estranhei nunca ter notado a tal cruz e pedi ao cumpádi pra me levar lá. Seguimos pela estrada com o Rex (Lobo) junto. Ao chegarmos a curva, ele reagiu da mesma forma de sempre: uivava, latia e ficava inquieto. Parei a caminhonete e descemos; Rex, nos seguiu e, afastando a vegetação, sentou-se ali, diante daquela cruz como se estivesse orando e chorando. Ficamos esperando, respeitando o seu momento. Depois de certo tempo, ele veio, cabisbaixo até nós, abanou o rabinho de contentamento e pulou para dentro da caminhonete como se dissesse: “agora sim, já posso ficar em paz”.
 
No dia seguinte, peguei uma foice, fui até a estrada, naquela curva, e aparei a vegetação que cobria aquela cruz à beira da estrada. Daquele dia em diante, ao passarmos por lá, Rex apenas olhava e abanava o rabo, mas nunca mais uivou daquele jeito.
 
 

(Milla Pereira)

 


**Esta história é uma ficção, mas o REX existiu de verdade e foi o meu primeiro cão; era uma espécie de vigilante(babá) quando eu tinha uns seis meses de idade e minha mão precisava fazer a lida de casa, com mais sete filhos para cuidar. O Rex não saía de perto de mim. Só me lembro por fotos.


Este texto faz parte do Exercício Criativo
“Uma cruz na beira da estrada”
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