O rabo

Na beira do rio havia uma cova.

Nesta cova, muitos ovos de crocodilo.

Conforme o tempo passava, os filhotes se desenvolviam, eclodiam e se lançavam ao rio.

Menos um.

O último ovo a eclodir deu a luz a um crocodilinho fraco, miúdo, diferente.

Ele não seguiu seus irmãos e seus instintos, mas rumou para longe do rio, na direção da floresta.

Passados alguns dias, como seria de se esperar, este pequenino enfraqueceu, pois estava em um habitat estranho, repleto de ameaças e sem nenhuma possibilidade de acolhê-lo. Desnutrido e exausto, deitou-se e esperou seu precoce fim.

Porém, passando perto dali, uma família de coelhos viu o pobre filhote perdido e abandonado. Notando que ele estava desmaiado, o chefe do grupo, comovido, recolheu-o e levou-o para sua toca.

Conforme os dias foram avançando, sob os cuidados da família de coelhos, o crocodilo retornou à consciência. Olhou para os coelhos e se alegrou: havia encontrado sua família.

Mesmo com uma dieta de vegetais e raízes, o crocodilo foi crescendo, deixando de ser o menor para tornar-se o maior da toca. Seu pai adotivo o cercava de cuidados, junto com os demais coelhos. Aumentavam a toca e o tratavam com muito carinho e dedicação.

O crocodilo brincava e crescia, feliz. Corria com os irmãos, desengonçado, e sempre perdia para as outras patas, mais ligeiras.

Conforme se desenvolvia fisicamente, sua consciência amadurecia: reparou que ele era diferente de todos; não tinha pelagem, não era macio. Desajeitado, tentava olhar a si próprio, e só conseguia ver a ponta do rabo.

Que rabo estranho... Comprido e escamoso, bruto, duro. Não era como os de seus irmãos e de seus pais, pequeno, branquinho e fofinho.

Tentava abocanhar com sua descomunal bocarra o seu rabo, mas a cada golpe, seu corpo mexia bruscamente, afastando o rabo de si. Em sua mente, imaginava que cortando aquele apêndice estranho ele seria como os outros.

Mas ele crescia mais e mais, e seu rabo cada vez maior, mais feio e mais distante. E ele, cada vez mais triste.

Os demais tentavam alegrá-lo, faziam festas e banquetes, contavam histórias e passeavam na mata; mas nada o animava.

Num dia ruim, ele pensou em andar sozinho para as bandas da lagoa.

Chegando lá, pôs-se a deitar na margem e refletir sobre sua terrível existência. Contemplando as belas margens do grande lago, viu uma família de castores na margem, construindo um dique a todo vapor.

Suspirou.

De repente, um susto – uma explosão na lagoa e um dos castores arrastado para o meio da água. Os outros dispararam para a mata, apavorados.

Ele cerrou seus pequeninos olhos para ver a pitoresca cena do castor sendo trucidado por um monstro enorme, que girava com a pobre vítima na água da lagoa, num estardalhaço febril. Como se não pudesse ser pior, outros apareceram, disputando violentamente aquele pedaço agora irreconhecível de carne dilacerada.

O crocodilo não entendia nada daquilo.

A briga que ocorria nas agitadas águas da lagoa era tão feroz que se estendeu para a margem e, para o espanto do crocodilo, viu que os rabos daqueles monstros irados eram iguais ao seu.

Sentiu seu corpo gelar, e suas patas tremiam. Voltou-se para a floresta e correu para a toca da família.

De lá, sequer colocou a cabeça para fora, por dias.

Os coelhos ficaram muito intrigados, pois não sabiam o que se passava naquela cabeçorra reptiliana. Traziam-lhe cenouras, raízes, ervas e frutos, mas o crocodilo não se animava.

Ele passava muitas horas do dia contemplando seu rabo. Desanimado, nem tentava abocanhá-lo.

Após muitos dias e noites, o crocodilo resolveu voltar para a lagoa. Precisava entender melhor tudo aquilo.

Lançou-se às águas, e nadou até o fundo. Foi de uma margem à outra, procurou e procurou, até achar aqueles animais estranhos, de rabos idênticos ao seu.

Conforme foi se aproximando, eles o fitavam com especial interesse: quem era aquele forasteiro que jamais haviam visto?

Ao crocodilo, pareceu-lhe estranho que eles não o rejeitassem, embora o estranhassem.

Acanhado, resolveu perguntar-lhes quem eram.

- Crocodilos. Como você – Responderam.

Um nó surgiu na mente do crocodilo, que não conseguia divisar bem a situação. Olhava os rabos de todos; curvava-se e olhava o seu. Eram idênticos.

Enquanto ele permanecia calado refletindo sobre tudo aquilo, um outro indivíduo daquele grupo surge das águas ali próximas, abocanhando uma capivara que teve o infortúnio de querer beber água em tão errônea hora. Os demais animais de rabo igual ao seu saíram correndo naquela direção, e outra feroz briga pela vítima teve início.

O crocodilo assistia a terrível cena e, com espanto, viu uma das patas dilaceradas da capivara ser lançada perto dele. Os outros estavam tão ocupados que nem se deram conta do membro arremessado.

O crocodilo aproximou-se, farejou a pata: que cheiro delicioso!

Acanhado, olhou para todos os lados; ninguém o via.

Rapidamente mordeu e engoliu aquele pedaço de carne.

Junto com a refeição, veio um desanuviar de pensamento. Tudo agora fazia sentido.

Voltou-se, olhou seu rabo.

Sorriu.

Sua enorme pança roncou.

Lançou-se às aguas, atravessou a lagoa, e foi para a toca dos coelhos.

Eudes de Pádua Colodino
Enviado por Eudes de Pádua Colodino em 06/11/2015
Reeditado em 03/06/2016
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