A raposa, o beija-flor e a onça

Dizem por aí que o leão é o rei da selva. Não na floresta Amazônica, pois lá quem reina é uma Rainha: a Onça-pintada. Mas ela não era rainha por vontade popular e sim por causar medo aos animais. Todos a respeitavam e tinham que se curvar diante dela. Devido a idade avançada e já com as forças comprometidas para caçar, teve uma ideia antes que os animais percebessem e ela perdesse o respeito. Chamou o macaco Macazeno, seu fiel conselheiro e mensageiro, e fez-lhe espalhar a notícia que ela deixaria os animais em paz, pois virara vegetariana e, por isso não mais os caçaria, mas com uma condição: Todos os dias alguém teria que colher os melhores frutos e folhas e levar até a sua casa. Se algum dia ninguém levasse nada, ela iria matar quantos animais visse pela frente.

A notícia se espalhou rapidamente pela floresta causando grande alvoroço entre todos. Agora a paz iria reinar por toda a floresta. Apenas dona Raposa não acreditou cem por cento na história, mas para não ser chamada de pessimista, preferiu não dizer nada. O prazo para começar seria na próxima segunda-feira. A rainha preparou seu castelo: era em uma gruta entre uma castanheira em um faveira, a uns cinquenta metros do rio. Além do mais, o animal que levasse bom alimento seria muito bem recompensado. Todos se perguntavam que recompensa seria, mas era segredo.

O primeiro a levar foi o porco-do-mato. Chegou com um saco cheio de castanhas e bacuris. Macazeno fez-lhe entrar. Nunca mais voltou. Pensaram os animais: “deve ter sido recompensado com uma longa viagem”. Alguns voltavam dizendo que seu alimento não era digno de recompensa. E o boato que a recompensa era uma viagem, agradou a todos, menos dona Raposa que continuava desconfiada. E assim se sucedeu, uns iam e não voltavam pois viajaram; outros, voltavam sem nada.

Dona Raposa estava caminhando a beira do rio pensativa e encontrou o beija-flor.

— Olá, dona Raposa.

— Olá, tudo bem?

— Sim. Pelo que parece estás pensativa e preocupada; que houve?

— É essa história da Onça, algo não me cheira bem.

— Por que achas isso?

— Uns animais voltam e outros não. E mais, os que vão nunca voltam para dar notícias...

— Deveras há o que se pensar. Mas podemos descobrir; olha, sou pequeno e em cima da gruta tem um buraco onde entra a luz do sol. Posso entrar lá e descobrir.

— Terás coragem de arriscar a sua vida?

— Para que serve a vida, se não gasta em prol dos outros? Amanhã entrarei lá e, depois de amanhã nos encontraremos aqui e lhe contarei tudo.

No dia seguinte, o beija-flor fez o combinado. Entrou na gruta e se escondeu atrás de uma folha. Logo depois a Onça entrou e ficou em um grande salão, entrou também o Macazeno. Disse Macazeno:

— E quando os animais descobrirem, o que vossa majestade irá fazer?

— Quando isso acontecer, até lá, já terei tido outra ideia, ou já estarei morta.

Alguém bateu na porta.

— Pode entrar, disse Macazeno!

A porta abriu e entrou um veado. Vinha com um saco nas costas, deixou-o no chão aos pés da onça.

— Aqui está, minha rainha, os mais saborosos frutos que a floresta Amazônica produz.

A onça lhe lançou um olhar lambendo os beijos, enquanto o veado levantava a cabeça.

— Qual será minha recompensa?

— Sua recompensa? Disse sorrindo. O rodeou cheirando. E num pulo só, mordeu seu pescoço sem deixar que esboçasse qualquer reação. Mais um animal idiota que me saciou minha fome, concluiu.

O beija-flor ficou apavorado e saiu o mais depressa possível sem ser visto. No dia seguinte, encontrou-se com a raposa.

— A senhora estava certa, a onça está enganando a todos. Os animais que não voltam é porque os devora.

— Bem que desconfiava. Precisamos de um plano. Mas sem dizer nada para ninguém, pois se não ela descobrirá se os outros ficarem sabendo.

— Mais precisamos de ajuda, só nós dois é perigoso.

— A melhor arma que temos não é a força. Temos o conhecimento de causa e vamos trabalhar na necessidade dela, a fome.

— Como faremos isso?

— Diga, que outro alimento ela gosta?

— De peixe, além dos animais, é claro! Respondeu o beija-flor.

— Aí está a nossa arma. Amanhã eu levarei a comida dela.

— Mas dona raposa e, se ela não gostar, a senhora vai morrer. — Disse preocupado.

Saíram dali e colheram uns frutinhos desconhecidos da maioria dos animais, assim como umas ervas. Amassaram as ervas tirando um líquido esverdeado. Foram ao rio, pegaram uma enorme traíra que acabara de morrer, com o líquido lavaram-na. Depois enrolaram em uma folha de tucumã.

No dia seguinte, quando estava escurecendo, foram os dois entregar o alimento a Rainha. Bateram, bateram, bateram...a porta se abriu. Entraram.

— Até que enfim apareceu alguém. Pensei que teria de cometer um “animacídio” hoje. Disse a Onça impaciente.

— Hoje, fiz questão, com meu amigo beija-flor, de trazer seu alimento. Sei que a senhora gosta de peixe, embora, também sei que és vegetariana.

— E posso comer peixe? Perguntou dirigindo o olhar ao Macazeno.

— Pode sim.

— Então...

— Aqui está, coloquei um tempero delicioso. Esse tempero revigora as forças, prolonga a vida... Sabe, Rainha,— Prosseguiu a Raposa — uma vez, dou outro lado do rio — tirou o líquido esverdeado, colocando dentro de um coco e dando a onça — uma anta já estava dada como morta e deram este líquido a ela e a mesma voltou a vida e viveu duas vezes mais o tanto de ano que deveria viver; outro dia eu estava mal, já via a hora de partir para o outro mundo (o mundo dos mortos), tomei este líquido e hoje me sinto como uma jovem tanto de força, quanto de vida.

A onça lançou um olhar de dúvida ao Macazeno, este apenas deu com os ombros como se não soubesse de nada.

— Vou tomar e comer seu peixe...

— Não, primeiro a vossa majestade deve comer o peixe e, só depois beber o líquido, pois o tempero a deixará com vontade de tomar líquido.

E assim se deu, comeu o peixe, depois bebeu o líquido com uma golada só. Deu um urro alto e forte.

— Que coisa ruim?!

— Ah! Este outro aqui a deixará melhor. Deu um outro líquido a ela. Continuou: — se der sede a senhora pode beber água, quanto mais água, melhor será o efeito. Amanhã a senhora estará com uma força jovial.

Retiraram-se os dois e ficou o Macazeno servindo a Onça, trazendo muita água. Já fora:

— Dona Raposa, que era aquilo que a senhora deu a Onça?

— Nenhum dos líquidos ou o tempero são venenosos, mas os três juntos sim; a água que ela tomará, irá piorar a situação, pois causará uma reação química. Ela sentirá muita sede; claro, tomará muita água. Seus órgãos internos pararão dentro de umas horas e ela morrerá sentindo muita sede.

Bem, nunca mais se teve notícias da onça. O Macazeno curioso, também quis provar os líquidos e teve o mesmo destino da Rainha, morrendo na entrada da toca. Os animais acreditaram, ao verem Macazeno morto, que teve uma maldição lá dentro e por isso, ninguém teve coragem de entrar e saber o que aconteceu. E como diziam os antigos: a maior força que temos é a inteligência, pois cabeça que não pensa, o corpo padece.