O peixe e a minhoca

O rio secou e um peixe debate-se numa poça de lama em seu estertor.

Uma minhoca surge do solo e fica observando o martírio do pobre peixe.

O peixe vendo a minhoca pede ajuda a ela.

_Ajude-me, por favor. Preciso voltar à água imediatamente, senão morro.

_Porque devo ajudá-lo se faz de mim um bom petisco?

_Não posso ser cobrado por isso. O culpado é o pescador que te oferece a mim revestindo um anzol, enganando-me e capturando-me. Confundo-o com o que me alimenta e isso me custa caro: a própria vida. Não fosse isso jamais lhe causaria mal, considerando que você vive em terra firme e eu na água.

_Mas se não fosse para pescá-lo, o pescador não me usaria, já que sou eu que arejo o solo para que as plantas vicejem com rigor. Não sirvo a ele como alimento, mas sou um dos responsáveis pela sua alimentação vegetal.

_Ainda assim culpo o pescador. Pois, como já lhe disse você não me serve de alimento; vivemos em meios completamente diferentes e antagônicos.

_O pescador é o agente, mas você é o motivador, e eu, pobre coitada, a isca. Não fosse sua confusão e gula, o pescador deixaria de me usar em suas pescarias. E eu viveria para o que realmente vim ao mundo: arejar o solo e fertilizá-lo.

_E por isso vai me deixar morrer à míngua? Somos ambos vítimas do engodo do pescador. Se você morre indiretamente por minha causa, já eu, morro diretamente por sua causa.

_Não é por isso. Apenas exteriorizo a minha queixa. Mas, como posso salvá-lo se não tenho mãos nem pernas para levá-lo á água mais próxima? Ainda mais - temendo-a e temendo-te- já que na água não vivo e pode querer comer-me como último regalo.

_Longe de mim querer isso. Confundo-te na água, não na terra. E não sinto prazer quando te levo à boca, muito pelo contrário, o que sinto é uma fisgada. O que preciso agora é respirar, não comer.

_Porque não pede ajuda ao pescador? Ele é o único que pode realizar o teu desejo.

_Pelo mesmo motivo de você não querer me ajudar. Acrescentando que você não é a minha presa, mas eu sou a presa dele.

_Então reze para chover e a água para o rio voltar. Eu, entretanto, rezo para não chover; pois, sem água não há peixe, sem peixe não há pesca e sem pesca eu posso tocar minha vidinha, sem medo de servir de isca.

Assim é a vida.

Você, leitor, é a minhoca, o peixe ou o pescador?