Marília...

(Contos/Romance)

 

Ela adorava o seu próprio nome... desde criança foi assim, às vezes brincava com ela mesma, repetindo, como se estivesse conversando com outra pessoa. “Marília não é assim, pense mais Marília... Marília... Marília pra cá e pra lá”. Em todos os objetos que tinha ela escrevia o seu nome e desenhava um coraçãozinho ao lado, como se vivesse um encanto, vindo sem saber de onde; quando as pessoas perguntavam como se chamava ela vibrava e dizia melodiosa e cadenciadamente MA-RÍ-LI-A, e seus olhos brilhavam. — Nesse momento ela ficava mais linda do que era. Mas, ainda era uma criançona. Marília tinha com ela mesma, um mundo somente seu; coisa que quase toda criança tem nessa fase da vida.

 

Pois bem; ela amava ir na padaria, só e tão somente só para ouvir o Português chama-la pelo nome, com aquele sotaque carinhoso que todo lusitano tem; ele sempre dizia após pronunciar o nome dela: - “menina linda, quero que cases com meu menino que está em Portugal e vocês vão me dar um neto lindo”. Ela sorria, torcia os lábios em sinal de gracejo e dizia: - tá, vai esperando... depois ia embora roendo o biquinho do pão quentinho. E pensava: - Eu hein... Deus que me livre, casar com um padeiro... ia ficar gordona atrás de um caixa. — O tempo passou, Marília concluiu o segundo grau e seus pais lhe mandaram pra Barcelona na Espanha morar com sua tia e estudar artes, coisa que ela adorava. Aquela vida de subúrbio ficou para trás.

 

Certo dia, sem se dar conta entrou num café próximo de sua casa, percebeu que era de uma família de portugueses; ela pediu o que queria, foi muito bem atendida, mas ninguém a chamou pelo nome, ela lembrou-se das coisas que lhe ocorria em tempos passados, sentiu saudade das palavras do Português que brincava com ela. Ao sair do Café viu que havia uma mensagem em seu celular, era de sua mãe dando-lhe respostas ao que cedo do dia havia lhe perguntado: - “estamos todos bem, graças a Deus, única coisa triste, aconteceu ontem à noite, o “Sr Manoel da padaria” morreu, um enfarto tirou-lhe à vida...” – Marília entristeceu-se, profundamente.

 

No dia seguinte na faculdade em que estudava, a última aula do dia era de literatura e seria ministrada no auditório por um convidado especial, o tema seria “Marília de Dirceu”, da obra poética máxima de Tomáz Antonio Gonzaga integrante do Arcadismo, ela sabia tudo da referida obra, mesmo assim se alegrou. O palestrante era um rapaz muito bonito, português com um sotaque lindíssimo, e desmanchava o coração de Marilia sempre que pronunciava o nome do amor de Dirceu. No fim da aula ela foi cumprimenta-lo e dar-lhe os parabéns pela expressiva aula. Algo de muito especial ocorreu ali, se encantaram, o assunto se estendeu e foram para praça conversar, em poucas horas já estavam enamorados; ele a convidou para ir no seu apartamento o qual havia comprado recentemente e lá se amaram por longas horas.

 

Na manhã seguinte, ela recebeu uma mensagem em seu celular: - “Estou no Brasil, vim para o funeral de meu Pai, perdoe-me por não ter lhe falado nada a respeito; é muito triste pra mim essa situação, retorno muito em breve”. Dias depois, já em Barcelona, Marília contou-lhe toda a história dela e como conhecia o pai de seu agora namorado. Um mês depois, ela se viu grávida, eles se casaram e deram ao filho menino o nome de Manoel Dirceu. E seguem a vida felizes até hoje.

 

 

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Antônio Souza

(Contos/Romance)

 

https://youtu.be/unhGB_J2X5M

Gary Moore — Still Got The Blues

 

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