A JOANINHA SEM ASAS
Um dia nasceu uma joaninha com pintas amarelas; a alegria da família. Ao perceber que era diferente de seus parentes, sentiu-se estranha. Por que não tenho pintas pretas? Será que fui adotada? Sou filha de uma abelha? Seus pensamentos negativos atrapalhavam o relacionamento interpessoal. Tristes, os pais resolveram presentear a joaninha com uma capa vermelha com pintas pretas.
Inicialmente, ela voltou a normalidade. A joaninha ficou extrovertida, passou a cantar e todos vinham lhe perguntar como suas pintas mudaram de cor. Inventava diversas histórias para cada telespectador curioso: “minha capa veio dos céus”; “uma aranha fez uma teia protetora e pintou com urucum”; “ganhei a capa da mãe joana”.
Acordou assustada no meio da noite e questionou-se por que não se encaixava no padrão dos outros.
- Mãe, por que não tenho asas?
- Minha filha, nem todos são iguais! Seu avô nasceu sem asas, e nem por isso deixou de ser um pai exemplar e um ótimo esposo.
- Mas não consigo viajar, pairar sobre o verde, ir aonde a vista alcança.
- Calma, iremos te levar a um médico. Não tenho todas as respostas.
Encontrado o especialista, foi marcada a consulta. O médico a examinou, e em um minuto, concluiu:
- Vou te encaminhar a um psicólogo, você não tem nenhum diagnóstico físico.
- Doutor, o senhor nem reparou que estou com uma capa preta com pintas vermelhas?
- Ah! Desculpe! Tenho que trocar o grau dos óculos.
A joaninha tirou a capa com cuidado. O médico reparou que tinha a frente um estudo de caso interessante para o seu pós-doutorado em andamento.
- Vejo que tem joanete nas asas.
- Que isso significa? - perguntou a mãe, aflita.
- Apenas hipóteses a investigar. Preciso que seja consultada semanalmente durante um ano.
- Posso levar a capa comigo?
- Negativo, minha senhora. Iremos mandar para biópsia. Saberemos que material foi produzido.
Os insetos deixaram de ouvir suas histórias. Foram enganados duplamente: pela capa de mentira e pelo fato dela não saber voar.
Na décima consulta, o médico verificou que as asas estavam desinflamando. Passou uma série de fisioterapia e tarefas diárias.
- Doutor, esses exercícios são pesados. Fico muito cansada. Tive que caminhar sobre as águas, correr na areia escaldante, fugir de lagartixas, destruir teias de aranhas. Só falto virar borboleta.
- Tenha paciência. Não ter asas fez conseguir pernas mais fortes, e essa velocidade pode lhe render medalhas.
Ao final do tratamento, o Doutor passou uma tarefa considerada suicida:
- Precisa subir num pé de tachi!
- Aquela planta cheia de formigas?
- A fórmula para saber se suas asas são funcionais é essa. Caso desista, esteja à vontade; saiba que a minha tese depende do seu sucesso.
A joaninha correu por toda a floresta, interrogou insetos de diversas espécies.
Uma formiga perdida a encontrou uma noite e perguntou:
- Que procura, joaninha.
- Um pé de tachi.
- Que alegria, amiga, também procuro. Consigo caminhar durante o dia. De noite fico com medo dos tamanduás, mas se me ajudar, ao cair do sol, subo em suas costas e continuamos a procurar.
Rodaram por vales e florestas, passaram fome, dormiram no frio, atravessaram um açude e encontraram o tal do pé.
- Achamos! Lá está! Uma dúvida: que tanto procura pelo pé de tachi se não serve para ti?
- Uma longa história, para uma vida curta. Precisamos correr até a folha mais alta.
- Vamos!
A joaninha correu tão rápido que as formigas que subiam e desciam o pé eram como escadas rolantes.
No ápice do caule a joaninha bateu asas!
- Que sensação boa, tive uma metamorfose, - disse a joaninha com seus botões amarelados.
Voltando ao seu lar, voando e refletindo sobre sua jornada rastejante, percebeu que a capa de presente foi boa para evitar o bullying, mas a impediu de desenvolver suas asas.
Quanto ao Doutor, digo pós-doutor defendeu a sua tese e o conteúdo lhe rendeu um livro, muito reverberado no meio acadêmico. Seu título era “NÃO BASTA TER ASAS.”