Deus das Melancias

Sentaram-se à mesa a Melancia, a Abóbora e a Banana. Elas estavam esfomeadas, então iam cear frango assado e ensopado de coelho.

– Vamos agradecer pelo alimento – propôs a Abóbora.

– Vamos – concordou a Melancia – pode começar Abóbora.

A Banana revirou os olhos. Ela não simpatizava com a Melancia, mas preferiu manter silêncio.

– E esses olhos Banana? – perguntou a Melancia maliciosamente – olhos de quem acredita ser parente de bananas com sementes.

– Não enche Melancia – respondeu a Banana austeramente – tenho minhas teorias e todas tem provas.

– Gente, vamos parar – interrompeu a Abóbora incomodada – vou começar: ó meu deus, Abóbora das abóboras, deu sua carne como doce na mais quente panela…

A Melancia riu alto. Em seguida falou:

– Patético! Acredita mesmo em um deus que morreu para se tornar doce?

A Abóbora estava claramente incomodada, mas preferiu ignorar e continuar:

– Deu sua carcaça como matéria-prima das mais belas artes…

A Melancia interrompeu novamente:

– Você acha legal dar sua casca para fazer esculturas? O corpo era para ser algo sagrado!

Mais uma vez a Abóbora ignorou, mas antes de continuar a Melancia propôs:

– Vamos dar a palavra a Banana, imagino que ele diga menos asneiras – vamos Banana, comece!

A Banana respirou fundo enquanto montava seu discurso inteiro na cabeça. Após alguns instantes em completo silêncio ela começou:

– Gostaria de dizer que o que estou fazendo não é uma oração, mas sim uma fala que antecede a nossa ceia…

– Não faz oração por que é ateia! – disse a Melancia – vai dizer mais o que? Que viemos das estrelas? Que somos primos? Eu me recuso a aceitar que sou parente de vocês.

A Abóbora já não estava aguentando mais. Ela estava prestes a dizer tudo que achava das falas da Melancia.

– Temos a Abóbora que acredita em deus doce de panela e temos a Banana que acredita que somos iguais.

Após essa fala a Abóbora não aguentou:

– Mas e você Melancia, que acredita que os de mancha branca são inferiores aos de mancha amarela?

– E acha que todas suas sementes vão vingar! – complementou a Banana.

– Acredita que é descendente direto do deus melancia, e que ele vem te buscar no fim da sua vida – continuou a Abóbora.

– E ainda tem a frescura de só crescer em espaço grande.

– E você que acredita que depois da morte vai ficar num paraíso sem ninguém para te comer e sem ter que carregar as sementes.

“Como elas são ignorantes!” pensou a Melancia.

– Vocês vão sofrer nas mãos do deus das melancias quando morrerem – disse a Melancia furiosa – vocês estão cometendo um sacrilégio!

– Mas o deus melancia só julgará vocês melancias – disse a banana – nós bananas e abóboras não nos envolvemos nessa loucura sua.

A Melancia estava muito irritada, ao ponto de sair daquela sala, deixando a Banana e a Abóbora sozinhas.

– Ei, Abóbora – chamou a Banana – conte-me mais sobre o deus abóbora.

– Só se depois você me contar mais sobre a cosmologia das bananas.

Então a Abóbora agradeceu pelo alimento, e junto com a Banana começaram a conversar enquanto saboreavam a doce carne animal.

Otacílio de Almeida
Enviado por Otacílio de Almeida em 14/09/2023
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