Um Farol no Pampa - trechos escolhidos

Relato aqui os trechos de que mais gostei nesta bela obra de Leticia Wierzchowski. Adorei acompanhar o drama de Matias Gutierrez, e adorei rever os amores, as mortes, os conselhos e o aprendizado das tão queridas personagens Mariana, D.Antônia, Caetana, e Manuela. :-)

WIERZCHOWSKI, Leticia.

Um Farol no Pampa.

Rio de Janeiro: Record, 2004.

(A Casa das Sete Mulheres, Livro 2)

p.94

O menino teve vergonha de chorar.

Tá bom, pai.

Quando João Gutierrez saiu, o menino correu até o seu esconderijo das coisas perfeitas.

O esconderijo das coisas perfeitas era uma velha caixa de madeira que ficava sob o armário. Lá dentro estava o lenço vermelho.

O menino pegou o lenço e o amarrou no pescoço.

Agora não vou ter mais medo.

p.112

Tu estás muito só, Maria Angélica.

(...) Tu és tão frágil, Maria Angélica, mas tu hás de sobreviver.

(...) Tu vais sobreviver. Tu não sabes o quanto és parecida com os teus.

Tu nao sabes o quanto hão de te custar os próximos dias, os longos meses, a passagem deste primeiro ano. Mas depois, Maria Angélica, depois de tudo, como se tu atravessasses um tenebroso rio de correntes perigosíssimas, tu hás de encontrar, do outro lado destas horas frias, o teu destino.

(...) Daqui a um ano, (...) tu terás renascido da tua própria morte. Desta guerra pessoal que tu travas absolutamente sozinha. E então, exatamente neste dia, estarás pronta para o mundo, Maria Angélica.

(...) E então a vida será tua, irremediavelmente tua.

p.121

Vó Antônia era daquele jeito. Ela não sabia mentir. Mentir era cousa pros fracos, e fraqueza era um defeito que vó Antônia temia mais do que velhice.

p.199

Todos permaneceram calados.

Havia aquela coisa incômoda e intransponível, aquele silêncio sem desdobramentos que apavorava a todos. A morte era maior e mais perene do que as providências, mas aquilo de tomar disposições sempre era um modo de escapar da tristeza. "Quem se ocupa não tem tempo para sofrer", era o que D.Antônia costumava dizer.

p.212

(...) não valia incomodar os jovens com os seus problemas, ainda mais com as cousas do jeito que iam. E ela sempre soubera muito bem que a velhice não era uma festa.

Mirou o filho e a nora:

- Vou lá para dentro ver como andam as cousas na cozinha. Vindo ou não uma guerra, é preciso comer direito.

p.316

- Meu pai dizia que, numa guerra, os amigos de um homem são o seu cavalo e o seu juízo. Mas não há bom senso nesta guerra, Matias.

p.504

Antônio descobria assim, comparando os hábitos da mãe com essa nova vida de silêncios, de trabalhos e entardeceres solitários, a grande distinção entre aquelas gentes: os cariocas amavam a vida para fora, a vida que ia além das janelas, eles amavam o mundo, enquanto os rio-grandenses viviam para dentro, virados para o pampa e para a alma.

Achou graça do pensamento e riu baixinho (...)