FILIGRANAS À TOA (III)

1. Coisa mais ridícula eleger palhaços para cargos públicos. Um ‘clown’, seja qual for o seu grau de importância ou hilaridade, já é infinitamente mais importante do que um portador de mandato sem qualquer serventia prática.

2. Tecnologia demais no carro das nossas vidas enguiça o motor da nossa liberdade.

3. A Justiça não comete injustiças; alguns de seus atores, estes, sim. Juízes que cometam desatinos, ao condenar ou absorver insensatamente, precisam ser punidos por falta disciplinar. E o Judiciário tem que ter controle externo.

4. O homem é como o mel de engenho; uma vez passado do tempo, ele açucara. E aí perde a validade do ponto.

5. Para o bem do colesterol, as fábricas de linguiça deviam restringir ao máximo as gorduras animais e o ‘bacon’; para o bem do bem-comum, as nossas casas legislativas deviam, em primeiro lugar, sanear os seus picaretas internos.

6. A classe média é tão comodista e vaidosa, e aprecia tanto o luxo, que se dá ao luxo de, nos ‘shoppings’, subir nas escadas rolantes utilizando-se do seu carango de bem quinze anos atrás. E existe classe mais idiota do que a classe média?

7. No dia em que se pregue uma tabuleta na testa de todo mundo com os dizeres “eu conquistei a minha vergonha na cara”, então muitos códigos de leis já serão ultrapassados e supérfluos.

8. Esta na cabeça de todas as pessoas que elas próprias são as melhores pessoas do mundo, mas o mundo inteiro sabe de cor e salteado que todos são e estão passíveis de melhoras internas e radicais.

9. O poeta pode repassar ilusões às massas, sim, ele pode fazer isso; mas, se for cabra de caráter, jamais trocará sua vergonha na cara pelas benesses dos três poderes.

10. Prefiro um pasquim, jornaleco de ponta de rua – e todo panfleto linguarudo –, porém com a boca no trombone, a toda e qualquer grande imprensa de boca lacrada e alma vendida às elites.

11. O conceito de ‘patriota’ mudou muito, suponho que por conta das últimas invasões às fronteiras de certos países. Antes era patriota quem devotava alguma afeição à pátria; hoje, aquele que condena os invasores de países alheios. Fatalmente, um dia, os abutres imperialistas – que se arvoram donos do mundo – quererão baixar em nossos quintais. Aí todo patriota hodierno tem que refutar os vermes invasores e expurgá-los ao lixo da História.

12. Pelo que se observa dos casos de impunidade, hoje em dia, no Brasil, é mais fácil o gato fazer as pazes com o rato, e não querer mais devorá-lo, do que um declarado e contumaz assassino de crime hediondo ir parar na cadeia e lá ficar, ao menos por uma curta temporada. Ou a Justiça se dispõe a fazer justiça, então, infalivelmente, vai espatifar-se. Daí o imperativo de se ter, e logo, democraticamente, o controle externo da Justiça, a fim de que se ponha termo à ditadura dos tribunais. Questão de sobrevivência deles próprios.

13. Tanto o ciúme interpessoal, aquele que se dá dois a dois, entre namorados, cônjuges e amantes, como a ciumeira indigente, genérica e intersocial, ambos, igualmente, só ocorrem com as mentes miudinhas, tacanhas e medíocres. Em geral, os portadores dessas patologias sociais têm é titica no cérebro, que nunca passa do tamanho de um grão de mostarda.

14. Divergir, ter ideias que não convirjam com as do meu interlocutor não significa que já o tome pela gola como inimigo mortal. Um contendor é apenas adversário, nunca um inimigo; isto deve ser uma atitude dialética.

15. Quem não pratica com humildade – ao menos o mais mínimo possível – um naco de autocrítica, uma só vez por dia, não passa de uma porta cuja trava enguiçou e ela, porta burra, não aceita conserto à tramela, porque também não quer abrir-se à entrada franca das pessoas que desejem adentrá-la.

16. O soneto é uma composição poética, muito nobre, prontinha e acabada. Por isso que tento engendrá-lo e refazê-lo, continuamente, faz muito mais que duzentas e tantas vezes. Pior que ainda não lhe acertei com a tal 'chave de ouro', em nenhum deles. Na ocasião em que, por ventura, possa achá-la vou rasgar a batelada supérflua de todos os outros.

Fort., 08/12/2010.

Gomes da Silveira
Enviado por Gomes da Silveira em 08/12/2010
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