DEUS TRANSFORMANDO JARARACA EM MAMANGAVA

Crescemos ouvindo recomendações de não fazer isto ou aquilo, principalmente para não por as mãos em qualquer lugar, pois seria perigoso. Inúmeras vezes mamãe gritou:

- Tire já os dedos dai, estas surdo?

Até que um dia, lá pelos meus cinco anos, apanhei uma enxada e fui destacar uma muda de bananeira. Dei uma enxadada e parti uma cobra coral pelo meio. O pior que foi puro acaso, não tinha visto-a, então corri para avisar mamãe. Era final de tarde. Mamãe apanhou a enxada e matou-a pela segunda vez, certa que ela estava completamente esmagada, jazigou-a no buraco da privada.

Passado das 9 da noite, papai chegou e ficou sabendo do ocorrido, acordou-me e exigiu um relato, pois segundo ele, as corais sempre andavam aos pares e a outra viria procurá-la. Depois daquela tortura, ficou acertado que no dia seguinte, bem cedinho, o fato seria reconstituído.

A parceira da falecida não apareceu e a vida seguiu em frente, e eu evitando, possíveis esconderijos dos répteis rastejantes.

Então quase 50 anos depois numa tarde nublada, cinzenta e fria de quarta-feira, subi a encosta da Colina Tapera, ao sul de Porto Alegre, como fazia de costume, para recarregar as baterias.

Dias antes chovera forte e as voçorocas embora rasas estavam bem acentuadas, num degrau formado por uma pedra no leito da vala, havia alguns exemplares de epidenrium, espécie de orquídea terrestre, arrancados pela força da enxurrada. Recolhi as plantas e procurei um lugar onde ela pudessem fixar-se livres das enxurradas. Perto de algumas pedras estava ótimo, então meus dedos invadiram o espaço entre o capim e as pedras, um capim grosso, afiado e de cheiro rude e forte. A intenção era acomodar as plantas por ali.

Entre as pedras e a pequena camada de terra elas ficariam bem, e desfrutariam da vista acima de 200 m que perdia-se entre a colina e o Guaíba, na segunda planta acomodada veio a picada, pela dor, pela profundidade, pelo efeito automático de reação do corpo era com certeza uma picada de jararaca. Os olhos turvarem-se, alguns passos e uma pedra no meio da trilha, permitiu-me sentar para tentar traçar algum plano. A respiração ofegante assustava-me. Qualquer caminho que fosse tomado levaria no mínimo 25 min. até qualquer ponto de resgate, veio a dúvida: será que deslocariam uma aeronave para resgate?

O tempo parecia ter asas e antes de qualquer providência deste plano restaram algumas palavras ditas do fundo dos pulmões que indagavam de Deus o motivo de tão perverso destino, quando a busca era salvar da morte algumas plantas. Mal fechei a boca e veio a segunda picada e se não houvesse corrido viriam tantas outras. A segunda acertou o pescoço entre os cabelos e a gola do blusão, tão dolorida como a primeira, pouco mais de 20 m e as mamangavas desistiram, mas deixando duas feridas de dor intensa. Ali mesmo agradeci aos gritos ao meu bom Deus por ter tirado-me daquele beco de forma tão magistral.

Depois do ocorrido, subi mais algumas vezes a colina, mas munido de luvas de couro e perneiras.

Sempre quando vejo uma mamangava a bendigo!

ItamarCastro
Enviado por ItamarCastro em 30/06/2019
Reeditado em 01/07/2019
Código do texto: T6685476
Classificação de conteúdo: seguro