XV VILANCETES

XV VILANCETES

- I -

MOTE:  Foi cupido, alado e cego,

Pela estrada me rondar

Para o meu peito flechar...

VOLTA:  Mas que extrema desventura

Que alhures chamam amor!...

Pela estrada, o teu rubor

Reluziu tal formosura,

Que cupido, má criatura,

Houve por bem me cegar

Para o meu peito flechar...

- II -

MOTE:  Ouço da vila os folguedos,

Mas em casa me demoro...

Quanto espero quem adoro?!

VOLTA:  Na vila dançam tiranas

De laços branco e vermelho.

Só por ela eu me ajoelho...!

Só por ela ando com ganas!...

Tão diversa das mundanas,

Que seus olhos rememoro...

Quanto espero quem adoro?!

- III -

MOTE:  Dois arroios se misturam

Suas águas n'uma só

Nos confins do cafundó.

VOLTA:  Eu e tu, duas veredas

Descendo até dar na foz.

Lá chegando, fomos nós

Nos misturarmos em ledas

Corredeiras sete quedas...

Para eu não ficar mais só

Nos confins do cafundó...

- IV -

MOTE: Se amor com amor se paga

Qual alhures se acredita,

Eis-me em dívida infinita!

VOLTA:  Tantos amores me deste;

Tantos amores te dei!

Tão-somente cumpro a lei...

Mas tanto mais me trouxeste,

Que nem tendo quem m'empreste,

Pago prenda tão bonita!...

Eis-me em dívida infinita!

- V -

MOTE: A quem contesta respondo:

-- "Foi nos longes das coxilhas

Que vivi tais maravilhas."

VOLTA:  À guisa já de arremate

Pr'um causo muito alongado

Eu ponho a cuia de lado.

E 'inda a beber do mate,

Eu deixo em silêncio o embate.

Sem narrar a peralvilhas

Que vivi tais maravilhas...

- VI -

MOTE:  Pelo trote do crioulo

Que se sabe o cavaleiro

Quando vem pelo terreiro.

VOLTA:  Apeei do meu bagual

Igual ginete garrido.

Varejei pelo corrido

Sem ver viv'alma no erval,

Do início até o final...

Tão silente este estradeiro

Quando vem pelo terreiro!

- VII -

MOTE:  Prenda minha; minha prenda,

Se me negas teu carinho,

Vou três vezes mais sozinho!

VOLTA:  Prenda minha, por que choras?

A saudade prova o amor

Tanto quanto meu valor

O vazio d'estas horas!

Sempre volto sem demoras,

Mas, se me tens por mesquinho,

Vou três vezes mais sozinho!...

- VIII -

MOTE:  Peleja de gente grande

É correr no cerro frio

Doma de xucro arredio...

VOLTA:  Na cabanha da colina

Pelas névoas da invernada,

O xucro foi dar pernada

Em coices pela neblina.

Quando a algazarra termina,

O ginete monta bravio

Domando xucro arredio...

- XI -

MOTE:  A despeito dos vilões,

Sei amar-te o vilarejo

Onde a flor do meu desejo.

VOLTA:  A despeito dos paisanos,

Que desdenham este país,

Vivo aqui muito feliz.

Mas ao sabor dos minuanos

Tenho andado há tantos anos

Que tão longe pouco vejo

Onde a flor do meu desejo...

- X -

MOTE: Se venho obsequioso

À vossa porta, de noite,

Peço pousada e pernoite.

VOLTA:  Volto aqui, minha senhora,

Vos pedir, se vos apraz,

Um pouco de lume e paz

Para logo eu ir-me embora.

Devo partir sem demora

E, sem que baldo me afoite,

Peço pousada e pernoite...

- XI -

MOTE:  Nas coxilhas afamado,

Não há ninguém tão sincero

Como o tal do quero-quero!

VOLTA:  Uma morena prendada

Eu olhava bem frequente.

Passava por insistente,

Mas não lhe falava nada...

Soubesse eu, n'essa cilada,

Falar que quero a quem quero

Como o tal do quero-quero!...

- XII -

MOTE:  Lá p'ros lados da fronteira

N'uma fala misturada

Se corteja namorada.

VOLTA:  Prende fogo na fogueira

Para acender-me paixão!

Passo com gosto o verão

A pelejar na fronteira

Pelo amor d'uma solteira.

Lá, com a língua azeitada,

Se corteja namorada.

- XIII -

MOTE:  Não tenho tudo o qu'eu amo,

Mas amo tudo o que tenho:

É assim lá d'onde eu venho!

VOLTA:  Rico não é quem tem tudo,

Sim quem com pouco faz muito.

Se vives com bom intuito

E tens o olhar mais agudo,

O mundo é campo desnudo,

Que se corre com empenho.

É assim lá d'onde eu venho!

- XIV -

MOTE:  Castelhanos das Missões,

Guaranis do Paraguai

Com gaúchos do Uruguai.

VOLTA:  N'essa terra, encruzilhada

Onde s'encontram as Nações,

Não há heróis ou vilões,

Somente a poeira da estrada:

Lá, guasca pampeiro vai

Com gaúchos do Uruguai.    

- XV -

MOTE:  Dizem tirar vilancetes

Os homens com arte e manha

Das campinas da Campanha.

VOLTA:  Dizem tirar boas rimas

Aquele que a Liberdade

Cultiva tal como herdade

Onde xucros e vindimas

Crescem com suas estimas...

E, poeta, rimas apanha

Das campinas da Campanha.

Belo Horizonte - 06 03 2020