OS GOIS CONTRA A ÚLTIMA FLOR

Sérgio Martins Pandolfo*

Lhana, leda, lusa língua

que tantos encantos tens

se te pilham vais à míngua

perdendo todos teus bens

Um dos mais repulsivos barbarismos da língua portuguesa praticada no Brasil é esta excrescência: gols, havida como plural de gol. E o que é pior: sancionada (com ressalvas, conquanto) pelos principais léxicos e, pasme-se, pelo VOLP. O Aurélio desapontadoramente adverte: “É incoerente o plural gols para uma palavra aportuguesada. Contudo, parece difícil que se venha a fugir desse barbarismo, tão arraigado está”. No Houaiss verificamos: “pl.: gols (barbarismo consagrado pelo uso), goles \ô\, golos \ô\ e gois”. O VOLP tão somente faz o assento: gols.

A forma plural regular de gol, aportuguesada por homofonia do termo inglês goal, admite três possibilidades: gois, que nos parece mais consentânea por seguir a forma geral de pluralização para o caso, com a substituição do l por is, como em sal/sais; gel/géis; cantil/is; sol/sóis; paul/pauis; golos (ô), usada em Portugal (e também em regiões do Rio Grande do Sul) para o singular golo (ô) e goles (ô), que corresponderia ao singular gole (ô), não utilizada por aqui e sim nos países de expressão castelhana.

Barbarismos e neologismos não deveriam ser sancionados pelos dicionaristas, ao arrepio das regras e normas estabelecidas pela gramática, o que, desafortunadamente, se verifica a trecheio. A gramática é o sustentáculo da língua. A garantia de sua continuidade. Apontar-se-iam as sugestões, proposições, verificações e uso popular de novos termos e emprego destes e, aquando das revisões periódicas efetuadas entre a Academia Brasileira de Letras e a Academia das Ciências de Lisboa, responsáveis pela normatização e uniformização do idioma far-se-iam as alterações e os ajustes, que passariam a vigorar oficialmente.

Não comungamos do desânimo de Mestre Aurélio. Bastaria por evocar o ocorrido com os outros termos corriqueiramente usados no futebol – os mais vividos lembram-se bem –, em que os lances, as infrações, as posições dos jogadores e até as marcações do campo eram designados em inglês e hoje tudo isso foi devidamente remarcado para o bom e prestante português. Só ainda não conseguimos expurgar este aberrante plural de gol, que segundo as regras da gramática é gois, mas relutantemente persistem grafando “gols”; mas chegaremos lá! E nem seria tão difícil assim. Bastaria que o Governo fizesse valer o direito que lhe foi outorgado pelo povo de resguardar o idioma pátrio, exigindo que os órgãos de comunicação de que dispõe (jornais, rádios, TVs) – e são muitos! – observassem, rigorosamente, a chamada norma culta da língua, as regras estabelecidas. Em pouco tempo cessariam as aberrações que vemos hoje na mídia. O que falta é mesmo – vá lá o chavão – vontade política.

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(*) Médico e escritor. SOBRAMES/ABRAMES

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Sérgio Pandolfo
Enviado por Sérgio Pandolfo em 07/11/2010
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