MEU REINO PELA GRAMÁTICA

Sérgio Martins Pandolfo*

“Língua; sentimento de nacionalidade; cultura, ciência e pesquisa autônomas são os pilares essenciais da soberania nacional”. SerPan


        Corre hoje farto e consentido o entendimento - ou seria desentendimento? – de que a Gramática não é essencial, ou mesmo necessária, para o bom cultivo do português, falado ou escrito, coisa propalada, inclusive, por professores da língua.
        Assevera-se mesmo que o falar popular no Brasil destes tempos, que vai já bem distanciado da assim chamada norma culta e é até mimetizado pelos “intelectuais populoides” que infestam nossas instituições em todos os setores, não é errado nem reprimível, mas apenas “diferente”. Coisas mais ou menos deste jaez: “Maria, tu foi lá ontem? Não quero que você fique fora dessa boquinha”; “Pois é, geeente! Aproveita a promoção”; “Duas milhões de pessoas vão estar participando da grande concentração evangélica e vão estar podendo receber a bênção dos pastores”; “Enquanto o deputado Singularino intermedia as conversações entre o BHC e o PPN, a bancada do PX afirma que reaveu a liderança da Assembleia” ; "isso foi bom pra nós se unir". Talvez coubesse retrucar: "Os professô que ensina nóis errado tá é ruinando a língua".
        Do alto de seu longo e fecundo tirocínio pedagógico a Profª Edna Souza leciona que: “O direito à língua é de todos, mas torna-se dever do Estado prover seu ensino de maneira efetiva, propiciando condições adequadas que nunca percam de vista a importância de estabelecer o equilíbrio entre linguagem e realidade” (A Língua sem Conflitos, Belém, Autor, 2009).
        Temos pensamento confluente e convicção de que o ensino da gramática de forma racional (pelo raciocínio e não impondo-se a “decoreba”) e progressiva, na medida exata das necessidades do dia-a-dia, com a demonstração aos alunos da beleza e da importância do idioma que herdamos, nos dias atuais, desmitificando o entendimento da maior parte da população de que “a língua portuguesa é muito difícil!”, enfatizando, “pari passu”, a necessidade do aprendizado e exercício da norma culta para a ascensão social e profissional, bem como para manutenção em bases sólidas e consequente perenização do idioma inconspurcado é não só necessária como imprescindível.
        A corroborar o que acima afirmamos citaremos um breve, mas exemplar episódio, tendo como protagonista a todo-poderosa raínha Isabel, a Católica, do reino de Castela, ao tempo potência europeia de primeira grandeza. Em 1492 Castela já havia anexado os reinos de Leão, Aragão e recém-conquistado Granada, último baluarte mourisco na Península Ibérica e enviado Colombo ao Novo Mundo, com a intenção de chegar “às Índias”.
         Antônio Nebrija havia concluído adensado volume da gramática espanhola, a primeira do gênero, ressalte-se, sobre uma língua europeia. Ao apresentar o trabalho à majestade, o dianteiro linguista medievo, entre atônito e incrédulo, ouviu da majestosa Isabel, repimpada em áureo trono e tomada de tediosa indiferença, quase desdém, própria dos insipientes: “Mas, para que serve isso?”. “Majestade” - acode o bispo de Ávila -, “a língua é o instrumento perfeito do império”.
        Efetivamente, as expedicões europeias dos séculos XVI e XVII determinariam o fim de milhares de línguas nativas nas três Américas e, ao mesmo tempo em que esses espaços continentais foram sendo colonizados, com a marginalização das populações nativas, as línguas por eles faladas - mas não escritas -, foram progressivamente desaparecendo com a morte de seus falantes.
        A oralidade é passageira e mutável (palavras o vento leva, diz a sabedoria popular); “Littera scripta manent” (a literatura fica, é eterna), já apregoava Horácio na velha e sábia Roma dos Césares, maior império de todos os tempos e que nos legou a base de formação da “última flor do Lácio”, nossa Língua Portuguesa, majestoso monumento imperecível da humana criação.


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(*) Médico e Escritor. ABRAMES/SOBRAMES
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Site: www.sergiopandolfo.com
Sérgio Pandolfo
Enviado por Sérgio Pandolfo em 30/01/2011
Reeditado em 09/07/2011
Código do texto: T2761542
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