SE BEM NEGOCEIO VOCÊ ME PREMEIA?

                                                 Sérgio Martins Pandolfo*

    “A minha pátria é minha língua,/ idolatrada obra-prima te faço imortal”.
     Samba-enredo da Mangueira para o Carnaval de 2007 (fragmento).


        Tencionando checar em sua inteireza a letra de “Fiz por você o que pude”, uma das mais belas e inspiradas composições de Mestre Cartola em louvação à Mangueira que, num dos apoteóticos versos finais, assinala: ”Perdoe-me a comparação/ Mas fiz uma transfusão/ Eis que Jesus me premeia”, fui ao Google conferir (na Idade Mídia que vivemos é ele o verdadeiro “pai dos burros”) e fiquei pasmado com a quantidade de artigos e/ou comentários desancando o pau naquele que foi, sem ponta de dúvida, um dos maiores – se não o maior! – compositores do cancioneiro popular nacional, com mais de 500 composições a ele atribuídas, fora as que ele, por premência econômica e/ou algia famélica teve de vender para comprar uma “média” saciante e reconfortante, tudo por causa do “grosseiro erro de português” cometido: premeia, em vez de premia. Com o que poderiam, mas não conseguiram, torná-lo “um pote até aqui de mágoas”. E tome de eruditismos, regramentos e engrimanços gramatiqueiros a fim de descortejar – ou descoroar – o menestrel do samba e do amor!
         Meu Deus do Céu! O verbo premiar, assim como negociar, admite duas possibilidades de conjugação, tais: premio/ias/ia, predominante no Brasil e premeio/eias/eia, corrente e preferente em Portugal que, diga-se de passagem, é o dono da língua e conspícuo zelador do idioma pátrio. O mesmo vale para o verbo negociar: negocio/ias/ia (forma dominante no Brasil) e negoceio/eias/eia que prepondera na lusa pátria.
          Desde menino, no domicílio de meus genitores, “uma casa portuguesa com certeza”, acostumei-me a ouvir as formas premeio e negoceio, de modo que nem um pouco me soou estranha a rima de Mestre Cartola em sua genial – genial mesmo! – composição/exaltação, afinal, Mestre é Mestre. Em minhas habituais revisitas à terra de meus avoengos, soam-me familiares e até mais eufônicas as pronúncias premeia e negoceia. E remato: gramáticas e dicionários da lusa língua de lá, “onde a terra se acaba e o mar começa” consignam e, assim, consagram as duas formas.
          Para finalizar, as regras e disposições contidas no Acordo Ortográfico da Língua Portuguesa, válidas para o mundo lusófono, veio pôr uma pá de cal na questão, sancionando-as, robustecendo a herança deixada por aquele hoje pequeno, mas valoroso país europeu que nos colonizou: esta maravilha que, infelizmente, nem todos aquilatam o valor, a língua portuguesa.

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(*) Médico e escritor. ABRAMES/SOBRAMES
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Sérgio Pandolfo
Enviado por Sérgio Pandolfo em 24/03/2011
Reeditado em 13/07/2011
Código do texto: T2867572
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