TRABALHANDO AS LETRAS

                                       Sérgio Martins Pandolfo*

                            “O estilo é inerência do Autor”. SerPan


           Escrever é a arte de reescrever — várias vezes. O grande romancista norte-americano Ernest Hemingway, Prêmio Nobel da Literatura de 1954, autor do best seller “O Velho e o Mar” não se pejava em confessar: “Reescrevi 80 vezes o último parágrafo de ‘Adeus às Armas’ até me sentir satisfeito”. Um texto agradável não cai do céu nem brota de solo árido. Exige trabalho, persistência, dedicação. A inspiração representa apenas 10%. Os restantes 90% são mesmo de transpiração.

         Machado de Assis, nosso literato-mor, dizia que: “As palavras têm sexo. E casam. O casamento delas é que se chama de estilo”. Ao escritor cabe a árdua tarefa de propiciar o bom conúbio verbal. O estilo é inerência do autor.

         Costumo dizer, repetidamente, que “escrever dá trabalho!” — aí subentendidas todas as conotações. Mesmo os textos mais simples e que à primeira vista parecem ter sido feitos “ao correr da pena” — currente calamo, como já diziam os romanos —, quantas vezes demandaram horas inteiras, na faina de consertar, retocar, refazer, achar a palavra certa para concluir uma idéia, ou, mais afanoso ainda, proceder às correções necessárias, adequar uma seqüência de palavras que fluíram, às vezes em catadupa, às regras da gramática, para “não maltratar o verso”, como nos diz o saudoso sambista João Nogueira.

         Aliás, os versejadores são, sem ponta de dúvida, os mais “sacrificados” nesse duro labor, principalmente quando a poesia segue os ditames da arte clássica, que impõe rima e métrica! E haja experimentos, sinonímia, elipses, hipérbatos, contrações, apóstrofes, neologismos e outros que tais para conseguir a beleza final que comove, emociona ou enleva.

         O grande Drummond diz-nos bem, a esse respeito, nos aparentemente simplórios versetos da primeira estrofe de seu poema “O Lutador”, indubitavelmente auto-explicativos: “Lutar com palavras/ é a luta mais vã. /Entanto lutamos/ Mal rompe a manhã.”

         Tanto assim é que Mestre Aurélio Buarque de Holanda Ferreira, outro monstro sagrado das letras pátrias, consagrado cultor do idioma “em que Camões chorou no exílio amargo o gênio sem ventura e o amor sem brilho” (Bilac) inclui o versículo drummoniano no final do prefácio da 1ª edição de seu afamado dicionário e o repete nas demais. Ainda nas páginas preambulares do Dicionário Aurélio, desde a primeira edição, esta outra frase emblemática: “Escrevo com o dicionário. Sem dicionário não posso escrever – como escritor.”, transposta de Gilberto Amado

          Aquele escritor que assim não age, no afã de aprimorar seus textos, ou é um medíocre literário ou um desleixado cultural; como um mau pai que não zela por seus filhos — os seus escritos.

         As letras e as palavras são como gemas brutas que, lapidadas, nos dão as pedras preciosas, como o rubi e o brilhante, as quais, em mãos habilidosas dos artesãos joalheiros terminam por compor joias de rara beleza e valor inestimável.

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Médico e escritor. ABRAMES/SOBRAMES
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Sérgio Pandolfo
Enviado por Sérgio Pandolfo em 08/05/2011
Reeditado em 11/08/2011
Código do texto: T2956952
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