O PLURAL DAS PALAVRAS TERMINADAS EM "ÃO"

O plural em “ÃO”

As diferentes formas de plural das palavras terminadas em “-ão” têm sua explicação no latim.

Quantas e quantas vezes estacamos diante de palavras terminadas em “ão” quando precisamos colocá-las no plural? Não há que se preocupar com isso. É fenômeno natural a todos, independentemente do nível de escolaridade. Digamos que, modernamente, essa dificuldade é resultado da supressão na escola de duas disciplinas que faziam parte da grade curricular das gerações anteriores: Latim e Gramática Histórica.

Com o intuito estrábico de querer adaptar os conteúdos e a escola à vida profissional, perdemos algumas disciplinas que também ajudavam a criar aquilo a que, penso, a Escola se destina: propiciar capacidade reflexiva e crítica. Não se cria cidadãos críticos com facilidades ou pretexto de que a Escola tem de formar o cidadão para aquilo que ele vai usar profissionalmente no dia a dia.

EXERCITANDO O RACIOCÍNIO

A facilidade “horizontaliza”, não cria capacidade reflexiva; a complexidade “verticaliza”, cria competências e habilidades.

Conteúdos complexos (entenda-se complexo como a exploração do seu cerne), como eram o Latim e a Gramática Histórica, ensinados na sua profundidade, obrigavam o aluno a estudos intensos, descobertas, caminhos. Ou seja, o resultado era a ampliação da capacidade de raciocínio e, por extensão, a formação de um cidadão crítico. Os conteúdos promovem isso, mas precisam ser explorados profundamente e não na sua superficialidade.

Recentemente ouvi, com calafrio, o Ministro da Educação, Fernando Haddad, dizer que a escola precisa transmitir aquilo que as pessoas usam na sua vida prática, insinuando que alguns conteúdos nada tinham que ver com o dia a dia dos alunos. O que usamos na vida prática é o raciocínio, que nos dá a capacidade de solucionar problemas, de criar, de achar saídas, caminhos e de ser críticos. É com esse instrumento abstrato que nos tornamos aptos para a vida concreta em sociedade. A escola, preocupada quase que exclusivamente com merenda e com ausência de conteúdos em profundidade, está formando alunos semianalfabetos e analfabetos funcionais. O resultado a gente tem visto nos exames internacionais de avaliação de que o Brasil tem participado.

DE VOLTA ÀS RAÍZES

Bem, voltemos ao plural das palavras terminadas em ÃO. Por que ora usamos ÕES, ora ÃES, ora ÃOS? A Gramática Histórica e o Latim nos ensinavam isso. E não é tão complicado, mas, sim, lógico. Vejamos.

Essas palavras terminavam no Latim em -ONE, -ANE e -ANU e aportuguesaram-se com os finais -OM, -Ã ou -AM e -ÃO. Posteriormente, todas passaram a -ÃO. O plural, no entanto, obedece basicamente às raízes latinas. Assim:

a) o plural -ÕES nasceu das palavras terminadas em ONE ou ONES e

depois, por analogia, as palavras formadas no próprio português

assumiram esse plural:

Conditione = condições

Coratione = corações

Intentione = intenções

Natione = nações

Oratione = orações

Perfectione = perfeições

Ratione = razões

Sermone = sermões;

Tentatione = tentações

b) o plural -ÃES nasceu das palavras terminadas em -AN, -ANE ou -

ANES (às vezes -ANI, -ANIS):

Cane = cães

Pane = pães

Scribane = escrivães

Alemanni = alemães (porque veio pelo italiano e não pelo

latim, onde seria alemanu)

Capelan = capelães (por que veio do provençal; se viesse

direto do latim, o plural seria capelãos,

porque no latim é capellanus)

Capitan = capitães (porque veio pelo italiano; se fosse pelo

latim, seria capitãos)

c) o plural -ÃOS nasceu:

I) das palavras terminadas em -ANU, -ANUS:

Manu = mãos

Germanu = irmãos

Paganus = pagãos

Granu = grãos

Planu = chãos

II) as palavras paroxítonas também fazem o plural “-ÃOS”:

Bêncão = bênçãos

Órfão = órfãos

Órgão = órgãos

Sótão = sótãos

E alguns vocábulos, mais rebeldes, não se satisfazem com esse ou aquele plural e se realizam às vezes com dois, às vezes até com os três. Vamos encabeçar essa lista com vilão, porque a quantidade deles tem sido elevada ultimamente: vilãos e vilões. O mesmo faz aldeão, que aceita: aldeãos e aldeões. Já ancião não se satisfaz com menos de três plurais: anciãos, anciães e anciões. De qualquer forma, é tendência predominar o plural -ÕES nessas palavras.

Esse é o padrão de formação do plural das palavras terminadas em -ÃO, mas, para nosso consolo, os poetas e escritores, desde a época do Renascimento, também faziam certa confusão. E quando eles mesmos fazem confusão, nós, os meros mortais, estamos perdoados.

Por Leo Ricino, mestre em Comunicação e Letras pela Universidade Presbiteriana Mackenzie e instrutor na Universidade Corporativa Ernst & Young e Fecap - Fundaçao Escola de Comércio Álvares Penteado.

Artigo publicado na revista CONHECIMENTO PRÁTICO LÍNGUA PORTUGUESA nº 19, em 2009, da Editora Escala Educacional

Leo Ricino
Enviado por Leo Ricino em 18/06/2011
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