COMO ENTRAR NUMA FACA

COMO ENTRAR NUMA FACA?

Na linguagem coloquial, há formas que se transmitem de geração para geração, sem que jamais tenham sido contestadas, mesmo que sejam portadoras de irregularidades, quer na estrutura formal, quer na essência semântica, ou até mesmo na fundamentação ideológica, levando, às vezes, ao uso de construções que externam exatamente o contrário do pretendido.

Alguém se expressa, como melhor lhe convier, sem que sejam examinados os limites da correção lingüística, obedecendo, quem sabe, à espontaneidade, que, ainda que peque na observância dos liames gramaticais, espelha, como fruto do momento e da criatividade, o instante mágico da concretização de um impulso na comunicabilidade.

Crescemos e nos multiplicamos, ouvindo e quem sabe repetindo expressões tais como: Semana que vem fulano “vai entrar na faca”.

Ora, não há contestação quanto à proposta. De pronto, percebe-se que o “fulano” será passível de intervenção cirúrgica.

O difícil é crer que alguém possa, ainda que pequeno, magro e leve, entrar numa faca. Que motivos teriam levado aquele que o disse pela vez primeira a fazer a inversão do agente e do paciente? Por mais que meditemos não encontramos razões plausíveis, a não ser a de que ao dizermos “...fulano vai entrar na faca”, salvo melhor juízo, a ação é controlada e decidida pelo “fulano”, dando-lhe o direito da execução e minimizando, quem sabe, a extensão da proposta.

Não cremos que ao dizermos “...a faca vai entrar no fulano”, ainda que em tese com maior credibilidade, face ao consagrado pelo tempo, expresse o desejo de quem criou a expressão; o entendimento e a compreensão de quem a ouve também sofre distorções. Evidentemente, continuaremos a empregar “...fulano vai entrar na faca” gordinho ou magrinho, isto porque essa é uma expressão, que em nosso modo de ver, não desaparecerá nem sofrerá alterações no seu uso, sendo, portanto, irreversível.

A inversão do paciente pelo agente e vice-versa é comum em nosso idioma. Freqüentemente ouvimos manifestações tais como: “estou com o sapato apertado”, quando na verdade o pé está sendo apertado e o sapato está apertando. Todos nós já ouvimos e possivelmente empregamos “esta camisa está apertada...” “a calça está apertada...” “o casaco está apertado...” “o vestido está apertado...” e quantas peças estarão apertadas ? não sabemos por quem? Há pouco tempo, um comercial, propalado pela televisão, mostrava uma moça percorrendo a sala de um pequeno apartamento e fazia o seguinte comentário: “o espaço é apertado, mas o apartamento é meu. ”Infere-se que as paredes estivessem sofrendo pressão dos demais blocos do edifício.

Justifica-se o apertado/a, quando existir coerência e logicidade entre o agente e o paciente. Raul está apertado. (quem sabe está sendo pressionado economicamente...) ou, na linguagem popular, necessita usar urgentemente um sanitário.

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