A DEMONIOCRACIA ( justificando a criação de um neologismo)

Dentre velhíssimos papéis encontrados nos escombros de uma igreja em ruínas, no interior do Brasil, achou-se, em pergaminho amarelado pelo tempo, uma história que muito

admirou a todos, sobretudo aos clérigos.

Das mãos dos operários que demoliam a capela, a históriapassou às do padreco, e destas às do bispo, que sem demora a enviou ao cardeal. Tamanho alvoroço causava o tal enredo que por muito pouco não foi ao Vaticano.

Contava desta maneira o velho manuscrito:

“Incomparável tumulto reinava então nas profundezas infernais,

onde jamais houvera tamanha desordem. Os diabos todos andavam em pé-de-guerra devido à controvérsia que dominava cada recinto daquele reino detestabilíssimo.

Tudo isso porque Calux, rei e senhor dos capetas, a quem

todos ali deviam respeito e obediência eternos, tendo

julgado que o seu vasto império andava perdendo prestígio em relação aos demais, decidira implantar reformas totais nos seus domínios. Resolvera o maioral transformar o inferno num

lugar aprazível e atraente e não mais horrível e tenebroso.

Depois de séculos de longos, exaustivos estudos, deliberara por fim o Capeta-mor que o melhor mesmo seria plagiar descaradamente o modelo que o seu eterno antagonista usava com relativo sucesso.

Ora, se os Céus ofereciam a eternidade em bem-aventurança e felicidade, e com isso obtinham a sua gorda porção de almas, então por que afinal as profundezas não poderiam usar do mesmo método?

— Que seja, pois! — esbravejou Calux, entre raios — façamos deste império o mais delicioso e aprazível dentre todos os demais. Usemos então o modelo lá de “cima”, com algumas adaptações, é claro. E vejamos se não nos sairemos melhor que os iluminados, já que o que oferecemos é gratuito.

Decidido, Calux atirou-se ao plano com tal ardência

que abalava até mesmo os corredores e galerias mais profundas

e quentes do seu reino.

E o maioral esquadrinhou, desenhou, rabiscou, calculou, desfez, refez, tantas vezes que se passaram milênios até que o projeto ficasse pronto e acabado. Foi então que Calux

o expôs aos seus subordinados, iniciando assim um tumulto

sem precedentes naquelas trevas.

Entendia o Pior-de-todos que deste modo os mortais, sabendo que o inferno já não era um lugar detestável mas agradável, se dedicariam em extremo a fim de assegurar uma vaga naquele reino. Cometeriam os mais terríveis crimes. Praticariam os pecados os mais cabeludos que houvesse. De tudo seriam capazes em troca do grande e eterno prazer que então iria reinar naquelas profundezas. E assim, imaginava o maioral, seu império se tornaria o mais importante e populoso de todos os reinos do universo.

No seu delírio de empolgação desmedida, Calux já cuidava que arrebataria até os anjos do Céu, e por fim que o próprio Deus, derrotado, viria curvar-se a ele.

Entretanto, no seu próprio reino havia discordantes. E não eram poucos os contrários. Já um grupo de capetas e subdemônios reunira-se e decidira fazer oposição velada ao projeto. Outro grupo, no entanto, aderiu às idéias de Calux, o abominável.

Ora, não se imagina ( nem mesmo nos piores pesadelos)

quão ferozes e encarniçados eram os debates acerca do tal projeto.

A balbúrdia era infernal.

Já dois vice-diabos tinham sido expulsos do reino por

discordarem da inovação. E a confusão se alastrava a tal

ponto que algumas das almas que estavam ali para serem torturadas eternamente aproveitaram-se da algazarra e fugiram. Foram buscar refúgio no purgatório.

E ninguém lhes notou a fuga nem a ausência.

A confusão se espalhava mais depressa que um câncer.

A coisa já beirava sair de todo e qualquer controle, e até mesmo Calux estremeceu diante do conflito que sacudia as estruturas do inferno. Ameaçava pôr abaixo todo aquele reino milenar. Cumpria tomar alguma providência

imediata, do contrário seria tarde demais.

E o maioral tomou-a, sem perda de tempo.

Visando a retornar à ordem e também a impor a sua decisão de qualquer maneira, o mestre dos coisas-ruins fez-se obedecer à força. Por meio de ameaças terríveis e de não menos terríveis mostras de poder, o arquidemônio daquelas

profundezas conseguiu afinal restabelecer a disciplina entre os

capetas.

Começou por mandar tosquiar a um capetinha que por

ali distribuía panfletos contrários ao novo projeto. Mas como o infeliz não dispusesse de nenhuma lã sobre o corpo,

arrancaram-lhe foi mesmo o couro, do cangote ao calcanhar.

Tendo apanhado um demônio recadista que também

trabalhava contra o projeto, levando e trazendo mensagens

rebeldes, Calux ordenou que lhe queimassem os chifres.

E assim ficou o pobre diabo mocho objeto de zombaria em todo o reino.

A outro coitado que foi flagrado em delito contra as

intenções renovadoras do maioral — a fim de que servisse de

exemplo a todos os que tencionavam persistir na oposição — o que fizeram foi empalhá-lo vivo e pô-lo num pedestal,

onde podia ser visto à boa distância.

Mas o que causou de fato admiração de todos naquele antro foi o que o senhor dos diabos deliberou acerca do destino de um capeta-redator que andava publicando editoriais em dialeto infernense, nos quais criticava com veemência não apenas o projeto novo, mas também toda a administração de Calux durante milênios e milênios passados. Havia uma eternidade que o maioral desejava agarrá-lo e puni-lo. Sendo o jornal rebelde secretíssimo, o tal redator conseguira escapar, até ali, à fúria de seu desafeto. Entretanto, durante a desordem que ali reinava, espiões do mestre, após muitas artimanhas, descobriram afinal a identidade do jornalista chifrudo. Levaram-no à presença do maioral, que sem demora impôs a ele o castigo mais detestado entre os demônios: encher de nada o buraco sem fundo. Tarefa interminável.

Por meio destas e de muitas outras atitudes que a todos assombravam, o mestre fez calar imediato o grupo que o contrariava em relação ao seu plano de transmudar o inferno. Os discordantes, muito a contragosto, submeteram-se à vontade do furioso diabo reinante.

Sufocada a oposição, tiveram início as reformas.

Aquele lugar, que era então escuro e quentíssimo, foi transformado num ambiente iluminado e fresco, a fim de que os “hóspedes” que ali chegariam não tivessem o menor aborrecimento.

E também àquele reino, em que até ali só se ouviam ruídos medonhos e lamentações de almas torturadas, foi levada toda a sorte de instrumentos musicais que animariam festas intermináveis. Foi de fato providenciada uma vastíssima adega, em que havia com inigualável fartura todos os tipos de bebida e de qualidade excelente. Tudo para que o entretenimento dos “convivas” fosse o mais completo quanto possível.

Ali foram erguidos luxuosos palácios com milhões de aposentos dotados de indizível conforto. Os paços eram rodeados de grandiosos teatros, arenas, cassinos, salões de dança,estádios para esportes e lutas que divertiriam grandemente os “hospedes”. Nada se deveria poupar em luxo e esplendor, no entender do maioral, no novo inferno que se levantava altaneiro e desejoso de subjugar a todos os reinos e impérios do universo.

Todas as maravilhas da natureza foram inseridas naquele ambiente, onde até então a vida jamais havia entrado. Bosques verdejantes cujas plantas exibiam em qualquer tempo sempre frutas apetitosas e folhas que não amarelavam nem caíam nunca. Regatos cristalinos onde não faltavam peixes coloridos e ligeiros. O ar mais puro que havia pairava

constante sob a forma de uma brisa deliciosa. . .

Calux, o velhaco, não poupou sequer o livro sagrado, do qual tirou a descrição do paraíso. E cinicamente esfregava as mãos dizendo de si para consigo:

— Não sei como não pensei nisso antes.

E já imaginava as multidões a que arrebataria com sua astúcia.

A tortura foi terminantemente proibida naquele reino e portanto foram deitados fora todos os instrumentos de martírio ( ali havia milhões deles, de todas as formas e tamanhos). O decreto do maioral vedava todo e qualquer desprazer a quem ali chegasse de ora em diante.

Indultadas também foram aquelas almas que ali se encontravam antes da transformação do reino. O Pior-de-todos

considerou-as merecedoras das novas condições. Uma vez que lá estavam, é que tinham sido suficientemente ruins em sua vida terrena. Assim faziam jus ao deleite eterno no inferno transmudado. E grande júbilo houve entre elas ao saberem do fato. Mesmo aquelas que haviam fugido durante a confusão retornaram e festejaram grande o destino que os diabos lhes concediam.

Arrematando a coisa, o mestre decidiu criar o rol dos piores. A idéia consistia no seguinte: seriam concedidos grandes privilégios àqueles que, durante sua vida terrena, obtivessem o pior grau em suas especialidades de ruindade.

Ficou, pois, estabelecido o critério a seguir, deliberado

pelo maioral:

Aos maiores mentirosos e vis seria concedida a melhor bebida.

Aos campeões da perfídia, da calúnia e da fraude seriam dados os mais ricos aposentos.

Os mais graduados em luxúrias e torpezas teriam a seu dispor os melhores perfumes e camaradas.

Caberiam aos maiores ladrões os melhores lugares nos teatros, arenas e estádios.

Aos líderes da soberba e da gula caberia a melhor comida.

Aos mais inescrupulosos os melhores serviçais e criados.

Aos mais dissimulados a melhor música.

Aos mais avarentos os melhores trajes.

Aos campeões da inveja os melhores cassinos.

As maiores honrarias aos piores assassinos e criminosos.

E àqueles que lograssem alcançar, ao mesmo tempo, o pior grau em todas estas categorias de ruindade seria concedido o privilégio de tornar-se um diabo, com direito ao seu par de chifres, à sua cauda pontuda e à sua cadeira permanente no parlamento infernal.

Tudo isso com a garantia irrefutável da eternidade, consoante o decreto de Calux, o maioral.

Contente com o andamento de seu projeto, o rei das trevas convocou centenas de capetas-mensageiros e ordenou que fossem à terra sem demora comunicar à humanidade a grande notícia.

A novidade espalhou-se com o vento, e em breve já todos os mortais entraram a saber da mudança nas profundezas. Ofegantes, as turbas correram enlouquecidas atrás da nova religião que se propagava ligeira e sorrateira nos corações atordoados.

Já na terra entrou a imperar o avesso de tudo.

Conforme previra Calux, o mundo por sua vez transmudara-se num verdadeiro inferno. Além da violência e do terror, reinavam a soberba, a perfídia e a inveja. Campeavam à larga também a avareza, a luxúria e a fraude. Todas as incorreções que aos olhos do Pior-de-todos eram grandes qualidades.

Injustiças e crueldades dominaram os espíritos humanos. Os mortais, sabendo que o inferno agora era bom e só tinha prazeres, entraram a viver da maneira mais licenciosa e feroz como jamais ocorrera no mundo. Tudo com o intuito de conquistar uma vaga eterna no império dos coisas-ruins. E aquele reino já se enchia tanto que Calux a cada dia ordenava a construção de novos palácios para abrigar a turba de incontáveis almas que ali chegavam sem parar.

Enquanto isso, lá nas Alturas, anjos, serafins, querubins

estavam preocupados com aquela situação, a nova ordem, ou seja, a desordem que tomava conta do mundo devido à ideia do diabo.

Como não soubessem que fazer diante daquilo, deliberaram formar uma comissão para ir ter com o próprio Deus. Diante Dele, falaram nestes termos:

— Que faremos, Senhor, para combater esta investida do demônio? Parece que desta vez ele foi longe demais!

— Nada. — Respondeu Ele, tranquilamente.

— Nada, Senhor?! Mas então . . .

A resposta veio, como sempre, parabólica e enigmática.

— Também o lenhador que sai para o trabalho sem o machado muito em breve à casa torna. Há uma incoerência na ideia do diabo.

Assim, os anjos, serafins e querubins retornaram a seus afazeres.

E a orgia nas profundezas continuava. Milhões ali se divertindo ruidosamente. Calux estava a contemplá-los, feliz do andamento de sua ideia.

Na terra, os mortais punham fogo no mundo, enlouquecidos em busca de uma vaga na festança no inferno.

Na avaliação do maioral, tudo ia bem. Tudo de acordo com as aspirações de seus subordinados, já que possuíam sob seu domínio tantas almas como nunca tinham imaginado. E este era precisamente o argumento do qual se utilizava Calux, nas assembleias que se davam naquele antro, para convencer os demônios de que a sua decisão fora acertada.

Porém, muitos diabos andavam enfarruscados devido àquela situação em que se encontravam. Enfarruscados?! Mas por que motivos afinal não estariam contentes os coisas-ruins? Agora possuíam muito mais almas do que jamais tinham tido.

Ora, as coisas mais importantes na existência de um capeta, aquilo com que todos eles mais se regalam, eram exatamente o que lhes estava proibido. Regozijavam-se em ir à terra tentar os mortais a praticarem más ações. Persegui-los até que perecessem na própria insensatez. E quando suas almas chegassem ao inferno, torturá-las e atormentá-las eternamente. Todos estes prazeres, a que estavam habituados havia milênios, lhes tinham sido vedados pelo decreto do maioral.

Por isso, e não por outro motivo, aqueles anjos renegados, em sua maioria, desejavam ardente o retorno à condição anterior.

Para a maior parte dos diabos o tal projeto fora um desastre que levava grande desonra àquele império, o qual sempre se orgulhara de sua fama. O inferno, segundo eles,

já nem mais merecia tal denominação. Transformara-se em casa de diversão. E os diabos sem exceção não passavam de anfitriões prestativos e bonzinhos, verdadeiros servos das almas que ali festejavam eternamente.

Nova rebelião começava no reino dos demônios.

Duas grandes facções foram formadas às ocultas. Tivesse sido cá na terra, ter-se-iam chamado conservadores e progressistas, porém lá naquele antro, adotaram outras denominações. Calux, que liderava os progressistas, defendia entre seus partidários a sua nova maneira de organizar o reino. Valia-se da grande quantidade de almas que tinha então sob seu domínio.

Já os conservadores, por sua vez, argumentavam que o

inferno não era mais inferno e os demônios achavam-se inteiramente ociosos. Os mortais não mais precisavam ser tentados a pecar. Faziam isso deliberadamente. Mas o pior, segundo os conservadores, era que os mortais praticavam o mal não porque este houvesse sido plantado ardilosamente em seus espíritos e sim porque visavam ao regozijo eterno. Teriam os capetas como serviçais. De que adiantava haver tantas almas no inferno se não podiam ser torturadas nem atormentadas?!

A cada dia os ânimos tornavam-se mais e mais exaltados, porquanto a situação perdurava contrária aos interesses da maioria dos coisas-ruins.

A tal grande ideia, que Calux cuidava excelente, parece que não era mesmo das melhores, já que o bloco dos progressistas se esvaziava a olhos vistos. Enfraquecia-se tanto o lado do maioral que se viu reduzido somente ao próprio Pior-de-todos e à meia dúzia de capetas puxa-sacos.

Piorando ainda mais as coisas para os lados do maioral, explodiu um escândalo, com que os conservadores exultaram em deparar.

Conforme é sabido, o decreto renovador de Calux proibia terminantemente a tortura naquele reino. Entretanto, ele, o reinante, também era um demônio ( o pior deles ), e como tal não podia suportar a existência sem martirizar ninguém.

O fato é que o maioral e seus apaniguados andavam praticando, às ocultas, torturas e tormentos detestáveis. Para tanto, ordenara o Pior-de-todos a construção de um palácio onde supostamente ouviria das almas sugestões de novos divertimentos e prazeres. Na verdade, ao chegar ali, a última coisa que teriam era diversão.

Assim, o maioral reservava para si e para seus protegidos um privilégio a que nenhum outro demônio tinha direito: o de dar vazão a toda a sua ruindade através de uma revigorante e deliciosa tortura.

As almas que entravam no tal palácio de sugestões, depois torturadas e castigadas, eram terrivelmente ameaçadas a fim de que não dessem publicidade ao caso. Por isso a coisa ficou por muito tempo em sigilo.

Todavia, lá pelas tantas, por meio de subornos e perseguições, os conservadores descobriram a história do palácio de sugestões, que não passava de casa de tortura. Soube-se que ali alguns diabos a exerciam, provavelmente com a conivência e até com a participação do maioral.

Calux negou tudo. Negou a conivência, negou a participação e negou até a existência das torturas. Afirmou que toda a história fazia parte de um golpe dos adversários para desmoralizar a sua grande ideia. Terminou, como sempre, ameaçando a todos que o acusassem sem provas. E sempre ameaçando, impôs o silêncio a respeito do palácio de sugestões, o qual foi lacrado até que a história esfriasse.

Porém, para os conservadores o caso do tal palácio era mais um motivo ( entre tantos outros ) para que o inferno tornasse a ser o que fora. Afinal, como pode um capeta existir sem torturar ninguém?! Era um despropósito. Um absurdo!

Eis aí a incoerência.

Iam nisso as coisas infernais, quando os mais antigos juizes-diabos convocaram uma assembléia. Discutiram ali os problemas do reino. Em dado instante, os demônios em sua maioria rebelaram-se radicalmente. Fincaram pé. Exigiram que a questão da mudança do inferno fosse decidida por meio de uma votação, da qual participariam todos os coisas-ruins.

Pela primeira vez surgia nas profundezas um vislumbre de democracia. ( Ou seria a demoniocracia? )

Calux recalcitrava de pés juntos. Urrava, soltava fogo pelas ventas, ameaçava céus e terras. Que desrespeito para com a sua autoridade! Tal votação, segundo ele, era coisa fora de questão.

As coisas estavam cada vez mais insustentáveis.

Seria o fim do inferno e sua corja?!

O maioral permanecia irredutível. Sua posição parecia que

não mudaria nem mesmo em séculos. E ele estava praticamente só.

Os protestos explodiam de todos os lados da assembleia.

Mas Calux dizia não, não e não!

Finalmente, como os diabos insistissem muitíssimo, ameaçassem abandonar o reino e até ( quem diria? ) chegassem a supor que iriam bater às portas do Céu dizendo-se arrependidos de sua vida de capeta; o maioral, muito contrafeito, mudou sua posição.

Diante de ameaças tão terríveis, o mestre infernal, sem alternativa, acabou por ceder à maioria.

Realizou-se, pois, a tal votação naquele antro.

É fato também que o Pior-de-todos tentou por inúmeras maneiras fraudar o resultado, mas não houve remédio: saíram vitoriosos os conservadores. Decidiu-se portanto que o inferno tornaria a ser o que sempre fora antes daquela fracassada tentativa de torná-lo aprazível.

Para grande desespero das almas que ali estavam divertindo-se imenso, o inferno voltou a ser inferno: lugar deplorável, sinistro, tenebroso, conforme sua remotíssima tradição.

E os demônios festejaram muito a volta das torturas e tormentos. Ainda mais agora que possuíam milhões de almas sob seu domínio. Que prazer teriam em vingar-se da subserviência a que tinham sido forçados!

Protestaram por demais aquelas almas desgraçadas. Disseram-se ludibriadas com a promessa do prazer eterno. Suplicaram a intervenção dos Céus, mas sua vida na terra não lhes dava direito algum. Estavam assim abandonadas a um destino detestável. Pertenciam irrevogavelmente a Calux. Em lugar de diversão e prazeres infindáveis teriam tratamento bem diferente.

O maioral e seus diabos pretenderam velhacamente adiar ao máximo a comunicação à humanidade na terra de que as profundezas tornaram a ser detestáveis. Nas alturas, porém, houve ordens contrárias, e assim todos no mundo tomaram conhecimento de que a ideia do diabo não tinha dado certo. Tudo voltou ao normal, como se nada tivesse havido.

Calux, envergonhado, mudou até de nome e passou séculos acabrunhado nas galerias mais profundas e escuras do seu reino obscuro.

Houve até mesmo diabos que tentaram usurpar o trono do maioral, mas isso ele não permitiu. Posto que tivesse tido uma ideia infeliz, seu poder e sua ira não diminuíram nem um pouco. Pelo contrário: tornou-se pior ainda o Pior-de-todos.”

Pelo visto parece que a história do pergaminho era mesmo verdadeira, já que os clérigos pretenderam por todos os modos destruí-la e impedir que chegasse a gerações futuras.

Não se sabe como, o enredo chegou aos nossos dias, exatamente conforme foi aqui contado.

************************************************************

************************************************************

Mark Scoat
Enviado por Mark Scoat em 21/10/2011
Código do texto: T3290786
Classificação de conteúdo: seguro