Pardalzinho
 
O pardalzinho nasceu
Livre. Quebraram-lhe a asa.
Sacha lhe deu uma casa,
Água, comida e carinhos.
Foram cuidados em vão:
A casa era uma prisão,
O pardalzinho morreu.
O corpo Sacha enterrou
No jardim; a alma, essa voou
Para o céu dos passarinhos!
 
 
1- Esse fascinante poema, escrito por Manuel Bandeira, traz à tona um dos anseios mais intensos e profundos do ser humano, que é desfrutar a liberdade.
 
Peço licença para refletir sobre o recado deslumbrante oferecido!
 
O pardalzinho nasceu
Livre. Quebraram-lhe a asa.

 
Da mesma forma que os pássaros, todos nós nascemos livres.
 
Essa liberdade, conforme cada um preferir, Deus, a Natureza ou a Vida nos faculta.
Eis uma verdade irrevogável.
 
Quebrar nossas asas, retirar essa liberdade não ocorre somente nos atos opressores que tentam aprisionar o indivíduo (a escravidão, um regime totalitário, as ações arbitrárias etc.).
 
É óbvio que, vítima dessas situações, o ser humano sentirá a liberdade cerceada e tolhida.
Percebemos, entretanto, uma ameaça muito mais perigosa à liberdade quando os homens impedem que alguém deixe de voar através de suas idéias e dos seus pensamentos.
 
Lastimamos demais aqueles que não instigam o ser humano a amadurecer realizando “passeios mentais”.
 
É fundamental que a criança, desde o nascimento, aprenda a elaborar suas próprias compreensões, alcançando, na fase adulta, uma opinião independente em relação ao mundo e ao existir.
 
* Os dogmas religiosos que tanto assustam os fiéis são perigosos.
* Torcemos para que as opiniões tradicionalíssimas de certos pais (que cresceram com suas asas quebradas) jamais influenciem uma criança.
* O automatismo de uma sociedade que reflete muito pouco e age apenas seguindo o que os outros fazem precisa sumir durante a formação dos nossos futuros cidadãos.
 
Claro que a criança, à medida que cresce, necessitará de limites, freios e recomendações que somente os adultos podem fornecer, porém sempre ela deveria ser incentivada à análise sadia e enriquecedora.
 
Tal proposta nada tem a ver com instigá-la a uma rebeldia sistemática nem a se afastar da disciplina, mas ressalta a necessidade de impulsioná-la a ser capaz de contribuir, com eficácia e independência, na construção de um mundo melhor.
 
Isso é impossível se os outros decidirem seus pensamentos e caso ela seja apenas mais um tolo rumo a lugar nenhum, aprisionado a tantas bobagens que nós costumamos repetir e realizar desde que o mundo é mundo.
 
 2-                                        
Sacha lhe deu uma casa,
Água, comida e carinhos.
Foram cuidados em vão:
A casa era uma prisão,
O pardalzinho morreu.
 
 
Sondando esses versos, é possível perceber a confirmação do que foi dito acima.
 
Freqüentemente as pessoas crescem e descobrem bem tardiamente que foram “cobertas” por uma espécie de capa inútil.
 
Correram aqui e acolá, participaram de várias cerimônias, adotaram diversos comportamentos, porém, totalmente sugadas pelo exterior, pelo contexto externo, motivadas pelo sei-não-o-quê.
 
São os “cuidados” do mundo os quais, no porvir, caso permaneçamos desatentos, constataremos que foram em vão.
 
A “casa” (nosso mundo) é uma prisão quando “nela” nunca há espontaneidade, nunca os atos fluem com naturalidade, sempre as ações parecem com as atitudes da maioria, não existindo questionamentos nem reflexões sobre coisa alguma.
Os “moradores” expressam assim uma forma de viver completamente artificial.
 
É inevitável, portanto, que eles acabem “morrendo”.
 
3-                            
O corpo Sacha enterrou

O antepenúltimo verso volta a destacar o fenômeno da repetição.
 
As pessoas choram a morte de quem partiu, no entanto a vida em si que muitas pessoas levam, tão vazia de conteúdos, já mereceria diariamente um balde de lágrimas.
 
Para fechar a interpretação, veremos, nas duas últimas linhas, uma mensagem otimista e esperançosa.
 
No jardim; a alma, essa voou
Para o céu dos passarinhos!
 
O que tal alma encontrou no céu dos passarinhos?
O pleno gozo da liberdade!
 
Dessa forma se abandonarmos a forma e mergulharmos rumo à essência, estaremos livres e, imitando os pássaros libertos, sentiremos a alegria finalmente nutrir o âmago.
 
Tais versos encerram o maravilhoso poema convidando a criatura a querer mais, muito mais, realizando os vôos que a poesia faculta, efetivando as conquistas significativas que a boa reflexão proporciona, concretizando a felicidade real que só a transformação instigada por ideais inovadores permite.
 
Não precisaremos aguardar o céu dos passarinhos; podemos, por exemplo, usando a Literatura e a Arte, mudar os rumos e o fatalismo sem graça que talvez, nesse instante, pode estar nos guiando.
 
Como isso ocorrerá?
Diminuindo os preconceitos, valorizando as amizades, estando acostumados com a solidariedade, fazendo uso das virtudes, mostrando aos “novos” (as crianças), entre outras coisas, que a competição e a ambição devem perder força possibilitando o desenvolvimento do respeito, da cooperação e generosidade.
 
4- Se lamentamos tanto a violência dos tempos modernos, a ansiedade que vem dominando as emoções, os medos, a agonia coletiva, isso tudo assinala que algo está bem errado.
 
É preciso mudar já!
 
O poema traz essa mensagem destacando que tal mudança só acontecerá quando as “asas” que nascem conosco não forem mais quebradas, ou seja, quando cessarmos de formar cidadãos robotizados, algemados a metas mesquinhas, condicionados às preocupações irrelevantes da vida.
 
Enfim, os versos do poema apresentam um alerta sobre a necessidade da liberdade não poder ser ameaçada jamais, pois somente homens independentes, no sentido amplo da palavra, conseguirão renovar o planeta, espalhando a liberdade que verdadeiramente conhecem.
 
Eis a minha leitura sobre o texto.
 
5- Há uns seis anos, no Ensino Fundamental, sempre desenvolvia um exercício destacando esse texto numa interpretação interessante, contudo mais simples (sem uma grande amplitude filosófica conforme ousei agora).
Uma das questões indagava o significado da frase “Quebraram-lhe a asa”.
 
Recordo que, certa vez, uma estudante apaixonante, respondeu mais ou menos assim:
 
A frase não se refere à quebra das asas do pássaro, pois os versos seguintes nada citam sobre Sacha pegando o pardalzinho, cuidando de sua ferida ou restaurando sua asinha quebrada.
A asa quebrada está se referindo à falta de liberdade que lhe foi negada quando o capturaram.
 

Confesso que a resposta me emocionou, pois partia de uma menina na flor da idade (ela tinha treze ou catorze anos), numa escola pública muito pouco estruturada e praticamente esquecida pelos estúpidos governantes, em Salvador, na periferia, num bairro modesto demais, rico apenas de alegria e espontaneidade.
 
Senti, nessa oportunidade, uma satisfação que pagaria o meu salário caso eu trabalhasse gratuitamente.
 
* Minha intenção, atuando como professor, sempre foi incentivar os alunos à realização de vôos independentes e reflexões repletas de liberdade.
Esse objetivo se aproxima do êxito quando conseguimos aproveitar textos geniais e emocionantes os quais os magníficos Bandeiras nos oferecem tão gentilmente.
 
Um abraço!



 
 
 
 
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Ilmar
Enviado por Ilmar em 18/09/2012
Reeditado em 20/09/2012
Código do texto: T3888118
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