SUJEITO TAMBÉM SOFRE

SUJEITO TAMBÉM SOFRE

É inquestionável que a exposição, através de placas, cartazes e painéis, propalando orientações, comercialização de produtos, informações técnicas, equipamentos ou prestação de serviços, primem pela objetividade, coerência e correção linguística. Esses pilares devem merecer preocupação constante, em especial, dos e nos educandários, repartições públicas, instituições jurídicas, agências bancárias e segmentos comerciais. Não pretendemos, destarte, fazer apologia de preciosismos, prolixidade, riqueza vocabular ou figuras de linguagem. Somos levados, isto sim, à defesa de uma das mais eficazes vertentes de nosso patrimônio cultural: a comunicação visual.

Arrolem-se, em meio às incorreções, “Aplica-se injeções”, “Vende-se produtos coloniais”, ”Confecciona-se bolos artísticos”, “Ministra-se aulas particulares”, “Costura-se lonas”. Por certo, muitos questionarão a necessidade e vantagens da correção verbal, desprezadas até mesmo por autoridades educativas governamentais.

Cremos, e a tanto nos inclinamos, que a incorreção, a que aludimos, é resultante de uma visão que apenas vislumbra o sujeito como elemento ativo, sem saber ou perceber que podemos tê-lo como passivo, reflexivo ou recíproco.

Talvez, ao tentarmos alertar o profissional da saúde, quanto à aplicação de injeções, argumentará que somente ele as aplica, logo, “aplicam-se” por quê? Estará preconizando a fundamentação básica de que se o sujeito estiver no singular, assim o será com o verbo.

Persistindo, fá-lo-emos ver que o sujeito não é ativo. Difícil, não? Caso o fosse, poderíamos ter “Osmar aplica injeções”. Percebe-se, de pronto, o desaparecimento do “se”, classificado como partícula apassivadora. Em o tendo, o “se”, excluindo-se a possibilidade de o verbo assumir a função de sujeito, sobra-nos “injeções”. E o paciente enfermeiro, já impaciente, questionará como “injeções” pode ser sujeito uma vez que ele é quem as aplica? Tentemos levá-lo a perceber que, se existir a partícula “se” e o substantivo estiver no plural, estamos frente à voz passiva “sintética ou pronominal”.

Crendo que a parte inicial tenha sido assimilada, desenvolvamos o verbo, e teremos “Injeções são aplicadas” (naturalmente pelo Osmar). O aparecimento de “são aplicadas” leva-nos a “Aplicam-se injeções”. Ufa!!!! Chegaremos lá.

Ainda, um tanto intrigado e perplexo, pronto a voltar às atividades, o mestre da agulha poderá inquirir quando o verbo estará no singular? Justifiquemos: a) com a presença do sujeito “Osmar” e não será voz passiva, como também não teremos a partícula ou pronome “se” ou b) numa sentença cujo substantivo esteja no singular – “Vende-se uma casa na praia”, ou seja, “Uma casa na praia é vendida”. Quando o verbo é desmembrado, “aplicam-se” em “são aplicadas”, teremos a forma passiva analítica.

Ampliando o leque de conhecimento, atentemos ao que se segue. 1) Para que haja transposição da voz ativa à passiva, precisamos de verbo transitivo direto. Exemplo: João comprou um livro (ativa). Um livro foi comprado por João (passiva analítica). Seria inviável João comprou-se um livro (passiva sintética ou pronominal) 2) O emprego das preposições “por” ou “pelo(s)”, condiciona-se à presença do artigo/pronome definido ou não. Exemplo: O professor de Matemática comprou um livro (ativa). Um livro foi comprado “pelo” professor de Matemática (passiva analítica). Todos fizeram a prova (ativa). A prova foi feita “por” todos (passiva analítica).

Julgamentos ou deduções precipitadas podem nos levar a classificações incorretas. Caso se infira que a presença, tão-somente, de estruturas com verbos auxiliares e particípios caracterizem a voz passiva analítica, cometeremos impropriedade. É indispensável, além desses pré-requisitos, examinarmos o comportamento do sujeito. Age ou sofre? Verifiquemos. Paulo havia (verbo auxiliar) pintado (particípio) a parede lateral. Mesmo que tenhamos auxiliar e particípio, o sujeito “age”, portanto voz ativa. Se pretendermos chegar à voz passiva analítica Paulo deverá sofrer a ação. Como temos duas formas verbais, passaremos a três, ou seja, A parede havia (sido) pintada por Paulo (agente da passiva). Lembremos, ainda, que havia+pintado=locução. Apanha-se o verbo principal “pintado” e coloca-se no tempo do auxiliar, advindo “pintara”. Paulo pintara a parede lateral. (voz ativa).

Quando não tivermos o sujeito explicito (Paulo), assim como a partícula “se” o verbo, mesmo que não saibamos quantos realizam a ação, deverá ir ao plural: Pintaram a parede lateral. Batem à porta. Quem? eles ou elas? sujeito indeterminado, voz ativa.

Uma vez que tenhamos “Precisa-se de soldadores”, ainda que o substantivo “soldadores” esteja no plural, não podemos proceder da mesma forma. Se eliminarmos o pronome “se”, ficando “Precisa de soldadores”, naturalmente alguém deverá o ser. Coloquemos, então, como sujeito explicito Fernando. Teremos, portanto, “Fernando precisa de soldadores”, voz ativa: sujeito praticando a ação. Se nos valermos do recurso do desmembramento, “Soldadores são precisados”, peca-se por fundamentação, clareza e coerência. E por que não podemos fazê-lo? Porque estamos com uma sentença na voz ativa: alguém precisa, sem que saibamos quem? E o verbo precisar é transitivo indireto, excluindo a possibilidade de voz passiva analítica. Teremos, então, sujeito indeterminado, mais a partícula de indeterminação do sujeito “se” e o objeto indireto – voz ativa.

Nem sempre a indeterminação do sujeito manifesta-se sem a preposição. Poderemos ter, por exemplo, “Vive-se bem na região sul.” Ao realizarmos a inversão das palavras, a fim de sabermos se é voz ativa ou passiva, ficaremos com “Na região sul bem se é vivido”, é evidente a inviabilidade. Pode se afirmar que é voz ativa, sujeito indeterminado (alguém vive) e o “se” é símbolo ou pronome de indeterminação do sujeito.

Quando da passagem da voz ativa para a passiva analítica não muda o significado da frase, contudo provoca alterações estruturais. “Macedo elogiara os produtos” (voz ativa). “Os produtos foram elogiados por Macedo” (voz passiva). Atente-se: a) quem pratica a ação na ativa continua praticando na passiva (Macedo); b) quem recebe a ação na ativa continua recebendo na passiva (os produtos); c) o verbo da ativa (elogiara) assume, na passiva, a forma de particípio (elogiados); d) insere-se, na passiva, o verbo auxiliar no mesmo tempo em que estava o verbo na ativa (elogiara – foram); e) a passiva analítica sempre apresenta uma forma verbal a mais que a foz ativa – observem: Todos vão ouvir a canção (ativa). A canção vai ser ouvida por todos (passiva). Saliente-se a mudança de “vão” por “vai” em função de “todos” e “canção”, e o aparecimento da preposição “por” leva-nos ao agente da passiva.

Se objetivarmos a passagem da voz ativa para a passiva pronominal ou sintética, basta acrescer o “se” – Vendem legumes (ativa – sujeito indeterminado eles ou elas); Vendem-se legumes (passiva pronominal). Da passiva pronominal para a ativa, basta-nos eliminar o “se”.

Enfatizando as vozes e a presença do “se”, acrescente-se ainda a voz reflexiva, oportunidade em que o sujeito pratica a ação verbal em si mesmo: “Luís feriu-se ao barbear-se. Quando tivermos Osmar e Danilo agrediram-se, deve-se reconhecer a reciprocidade. Em “As meninas pentearam-se”, mesmo que consigamos desmembrar em “foram penteadas”, é óbvio o ato recíproco.

Vez por outra, os periódicos divulgam: “O clássico gaúcho foi assistido por trinta mil torcedores.” Identifica-se, de imediato, que quem sofre a ação de ser assistido é o clássico gaúcho. Quando tivermos verbo auxiliar “foi” e verbo principal “assistido”, no particípio, estamos frente à estrutura de voz passiva analítica. Fazendo a inversão dos termos, “Trinta mil torcedores assistiram o clássico.” – voz ativa, incorre-se no deslize de usarmos o verbo “assistir” como transitivo direto, cuja acepção é a de prestar assistência profissional. Quem assiste, no sentido de ver, presenciar, assiste “a”, logo a manchete só poderia ser “Trinta mil pessoas assistiram AO jogo.”

Para sabermos se dominamos o conteúdo, apliquemos os recursos no dito popular: “A cavalo dado não se olha os dentes”. Boa sorte!

Jorge Moraes – jorgemoraes_pel@hotmail.com - novembro de 2012

Jorge Moraes
Enviado por Jorge Moraes em 19/11/2012
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