* Num bar da cidade, Zé Trema refletia sobre o muito triste 2012 que acaba, o último ano da sua existência.
Desde 2008 a vida do nosso nobre amigo passou a ser um grande pesadelo.
Mas, com certeza, 2012 foi pior!
Os poucos amigos que lhe restavam, alguns pinguços que o seguiam enchendo a cara, sempre zombavam dele:
_ Zé, você está morrendo! Em 2013 já era!
_ Zé, você quase não existe mais! Quem é você? Um pobre sinal gráfico que logo deixará de ser qualquer coisa daqui a alguns dias!
Alguns o chamavam de moribundo, defunto-vivo que logo estará morto.
“Infelizmente eles tinham razão!”, admitia o desolado Zé Trema.
 
* Em breve, muito em breve ele deixaria de existir.
Algumas pessoas falam que o trema deixará apenas de ser escrito, mas permanecerá sendo pronunciado.
“Bobagem! Tolice!”
“Se ninguém vai me enxergar, eu sou um fantasma, um espírito que só existirá na imaginação de alguns saudosos escritores, contudo, com o tempo, esquecido por todos, serei um total desconhecido!”
“Que sorte infeliz!”, concluía o quase inexistente Zé Trema.
 
* Desde 2008, quando foi oficializado o novo Acordo Ortográfico, a vida de Zé Trema sofreu um revés inesperado.
Anunciaram que ele desapareceria a partir de 2013.
Sua esposa, não suportando a notícia, o abandonou imediatamente. Dizem as más línguas que ela fugiu com o Ricardão Circunflexo.
Seus filhos passaram a evitar a presença do pai.
Os conhecidos dele nem sequer o cumprimentavam mais.
A solidão passou a ser a única companheira do inconsolável Zé Trema.
O desanimado chifrudo passou a beber demais em 2012, iniciando um desaconselhável namoro com o copo.
Começava a beber muito cedo e não parava nunca.
 
* Cambaleando, costumava lastimar o destino deplorável deitado num abrigo abandonado.
“Sacanagem!”
“O Primo Agudo perdeu as ideias, mas continua firme na maioria das palavras, sempre citado e solicitado!”
“O Compadre Hífen vive reclamando das muitas mudanças que sofreu, no entanto está aí, numa boa, paparicando o Super-Homem e sempre acompanhando os vices!”
“Eu simplesmente fui condenado à morte!”
“Não respeitaram as lingüiças saborosas ou o revoltante seqüestro! Não se preocuparam com as conseqüências do ato. De uma forma muito tranqüila, decidiram acabar comigo sem nenhuma piedade!"
“Patifes insensíveis!”
 
* Estava o nosso infeliz personagem mergulhado na sua imensa revolta quando o apresentador do JN, Chico Pinheiro, anunciou:
 
<< Publicado no DOU desta sexta-feira, 28 de dezembro de 2012, o decreto 7.875 altera para 2016 a obrigatoriedade do acordo ortográfico. De acordo com o texto, a implementação do Acordo obedecerá ao período de transição de 1º de janeiro de 2009 a 31 de dezembro de 2015, durante o qual coexistirão a norma ortográfica atualmente em vigor e a nova norma estabelecida.
 
A norma altera o decreto 6.583, de 2008, que instituía a obrigatoriedade do Acordo a partir de 1º de janeiro de 2013. >>
 
Zé Trema parecia não acreditar no que acabara de escutar.
Pediu uma dose dupla de cachaça, começou a cantar, estava embriagado também de alegria!
_ Eu não vou morrer!
_ Eu não vou desaparecer, eu tenho ainda tempo, ainda existe esperança!
 
Sorria como uma criança bem satisfeita nos braços da mãe.
A cena foi emocionante!
Eu, que precisei usar o banheiro do bar no exato momento da informação, confesso que chorei vendo tamanha explosão de felicidade.
Após aliviar a bexiga, resolvi pedir um suco de laranja.
 
Zé Trema ensaiou alguns passos incertos numa dança meio confusa, entretanto que contagiava todos ao redor.
 
Mais três anos de sobrevida e talvez o tempo suficiente para que decidamos jamais deletar o entusiasmo do nosso simpático Zé Trema, permitindo assim que ele possa sempre dançar comemorando a bela, fascinante, preciosa e única oportunidade de estar vivo.

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Não deixem de conferir o meu acróstico-homenagem “Disseram Adeus”!

http://www.recantodasletras.com.br/acrosticos/4057960
 
Um abraço!
Ilmar
Enviado por Ilmar em 29/12/2012
Reeditado em 30/12/2012
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