O PLURAL DE “SEM-TERRA” E “SEM-TETO”

Embora existam entendimentos divergentes acerca do plural desses neologismos, pensamos ser extremamente relevante transcrever, neste nobre espaço cultural, a excelente lição sobre o tema ministrada pelo grande gramático e dicionarista LUIZ ANTÔNIO SACCONI, extraída de seu excelente livro “Não Erre Mais!, Editora Nova Geração, 30ª ed., 2010, p. 40”:

“os ‘sem-terra’

Há quem defenda isso aí. Nesta vida há mesmo de tudo! Se há até os que vivem no aquém, temos naturalmente que compreender...

Na verdade, o que as pessoas fazem é uma ligeira confusão entre a expressão ‘Movimento dos Trabalhadores Rurais sem Terra’, (legítima, já que ‘sem’ neste caso é preposição) e ‘Movimento dos Sem-Terras’ (aqui ‘sem’ já não é preposição, mas prefixo, daí por que o substantivo ‘tem’ de variar). O diabo é que poucos conhecem a diferença entre um elemento e outro; a consequência, evidentemente, só pode ser uma grande confusão.

Vamos, contudo, ao cerne da questão. Existe uma regra que preceitua o seguinte: todo substantivo composto formado de prefixo + substantivo faz o plural com variação do segundo elemento. Isso está em qualquer gramática, até mesmo nas mambembes. Assim, temos: ‘os ex-ministros’, ‘os vice-prefeitos’, ‘os sem-vergonhas’, ‘os sem-tetos’, ‘os sem-lares’, ‘os sem-carros’, ‘os sem-culturas’, ‘os sem-dentes’, ‘os sem-túmulos’, ‘os sem-responsabilidades’, ‘os sem-juízos’ e, naturalmente, ‘os sem-terras’.

Há dicionários que dão o plural de apenas alguns compostos desse tipo, mas incompreensivelmente se omitem em outros. Por que dar o plural, por exemplo, de ‘sem-fim’ e de ‘sem-justiça’, mas não de ‘sem-terra’? Só o aquém explica ...

Os que desatinadamente aceitam ‘os sem-terra’ ou ‘os sem-teto’ são obrigados, por coerência, a aceitar concordâncias grotescas, como estas, que já apareceram e continuam aparecendo em revistas e jornais brasileiros: ‘Sem-terra sequestram’ caminhão em Pernambuco. *** Obrigados pela Justiça a desocupar uma fazenda em São Paulo, ‘sem-terra roubaram’ eletrodomésticos e mataram animais. *** ‘Sem-terra preveem’ intensificação de invasões. *** ‘Sem-terra tomam’ secretário como refém em Alagoas. *** ‘Sem-teto fazem’ manifestação em frente ao INCRA. *** ‘Sem-teto da República vão’ para Rua Aurora. *** ‘Sem-teto tentam’ invadir cinco imóveis em São Paulo. *** ‘Sem-terra invadem’ Ministério e debocham do país.

Com esse tipo de ‘concordância’, os jornalistas brasileiros conseguem inovar, invertendo uma situação sintática, pois as pessoas iletradas costumam deixar o verbo no singular, quando o sujeito está no plural (As pessoas ‘vive’ bem aqui. Nós ‘fica’ em casa quando chove.).

Como continuo acreditando na evolução do ser humano, repudio tal ‘concordância’. Mas se o jornalismo brasileiro ‘véve’ bem com elas, que fique à vontade, que vá em frente! Afinal, cada qual deve sentir-se à vontade no ambiente em que ‘véve’ ...”

Para reflexão: “Educar é lutar contra a mentira e a escuridão.” — Luís Soares Dulci

David Fares
Enviado por David Fares em 20/10/2013
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