21 – Linguística – Conotação / Denotação – Do sentido Conotativo ao SÍMBOLO e à METAFÓRA

Há uma diferença fundamental entre LINGUÍSTICA e GRAMÁTICA.

Talvez possamos dar uma ideia abreviada da diferença entre estes dois ramos da Ciência da Linguagem:

A GRAMÁTICA, como todos sabemos, é um estudo que define as REGRAS para estabelecermos uma COMUNICAÇÃO correcta e compreensível com os nossos interlocutores:

– quer se trate da comunicação imediata, ao vivo: isto é, no seio do nosso convívio diário, seja em família, seja no emprego, seja em convívios informais – a comunicação exercida através da FALA: a comunicação ORAL,

– quer se trate de uma comunicação diferida: uma comunicação indirecta, pois mediada pelo TEXTO ESCRITO:

– seja através das mensagens escritas que enviamos ou recebemos,

– seja através dos JORNAIS (textos jornalísticos e crónicas jornalísticas)

– seja através da LITERATURA – estaremos aqui perante os textos em PROSA (romance, conto, novela, crónica literária). No caso da POESIA, que também é uma forma de comunicação diferida, pois de modo geral é feita a través do texto escrito – as “regras” diferem das regras da Prosa.

A LINGUÍSTICA é uma ciência que estuda os diferentes cambiantes da COMUNICAÇÃO entre as pessoas.

Enquanto a GRAMÁTICA é um estudo “prático”, dirigido à construção do DISCURSO (as diferentes formas das PALAVRAS, a construção das FRASES) – a LINGUÍSTICA é um estudo “filosófico” sobre as particularidades do “DISCURSO LINGUÍSTICO”.

Por vezes, LINGUÍSTICA e GRAMÁTICA surgem bastante interligadas...

Aqui, nas nossas conversas, quando construo estes capítulos sobre a nossa Língua comum – o Português Europeu e as suas variantes difundidas pelos vários Continentes – penso que deixo bem explícito quando falamos de Gramática e quando falamos de Linguística – neste último caso, os títulos dos capítulos assinalam que versam sobre esta última matéria.

É o caso dos capítulos :

Capítulo 1 – Um pouco de Linguística

Capítulo 2 – Como Falar sobre a Língua?

Capítulo 3 – Linguística – A PALAVRA: Os diferentes modos de estudar a ‘palavra’: Significado e significante; as Sílabas; a Acentuação

Capítulo 4 – Linguística – continuação – Os valores das Palavras – DENOTAÇÃO e CONOTAÇÃO; os DIMINUTIVOS

Capítulo 5 – Ainda as possibilidades expressivas das palavras: Evitando as REPETIÇÕES: SINÓNIMOS e ANTÓNIMOS

*

Para podermos dar, hoje, uma breve ideia sobre uma particularidade da Linguagem que nos permite SUGERIR coisas ABSTRACTAS como sentimentos, ou ideias – sem as nomear concretamente, teremos que recordar o que já foi dito sobre CONOTAÇÃO e DENOTAÇÃO.

I:

As palavras podem ser interpretadas de duas maneiras:

- em sentido denotativo: é o sentido real das palavras, a definição que figura nos dicionários: Exp: casa = habitação;

- em sentido conotativo: aquilo a que vulgarmente se chama sentido figurado: é no sentido conotativo que se baseiam as metáforas, as "imagens", a ironia ou a sátira, os símbolos...

Vou exemplificar, repetindo o exemplo que o poeta Fernando Grade costumava utilizar quando fazia sessões de divulgação sobre Poesia, nas escolas:

Dois exemplos muito simples, com uma mesma palavra:

= “dói-me o pé direito” – Imaginemos uma pessoa que encalhou numa pedra... magoou-se... e queixa-se, lamentando-se: “dói-me o pé direito”...:

Nesta frase, a palavra ‘pé’ está usada no seu sentido real.

= “a cadeira tem o pé partido” – Nesta expressão, a palavra ‘pé’ está usada num sentido figurado: as cadeiras não têm “pés”; é por uma simples COMPARAÇÃO que se opera a um nível inconsciente, ou automático, que usamos a expressão “os pés da cadeira”...

O que entender por “sentido figurado”:

Esta designação de “sentido figurado” não passa de uma forma muito simplista que em geral se utiliza no Ensino, quando nos dirigimos a crianças de tenra idade.

À medida que a idade dos alunos avança, o Ensino da Língua materna pode – e deve – tornar-se mais rigoroso, e começa-se a falar dos fenómenos linguísticos de forma mais exigente, ou seja, de forma mais ABSTRACTA.

Assim, quando dizemos “a cadeira tem o pé partido”: estamos a utilizar uma METÁFORA: isto é:

Baseamo-nos numa COMPARAÇÃO –

MAS! Não formulamos explicitamente essa comparação:

Não dizemos:

“ASSIM COMO nós, humanos, temos ‘pés’, ASSIM a cadeira tem estes quatro suportes que designamos COMO ‘pés’; assim, esta cadeira tem um desses seus suportes partido”.

Você já imaginou a grande barafunda que seria COMUNICARMOS em termos como estes?!

Muito bem:

Agora já compreendemos em que consiste uma METÁFORA:

A METÁFORA é uma “figura linguística” que nos permite comunicarmos com base numa COMPARAÇÃO: mas SEM exprimirmos o termo de COMPARAÇÃO (não dizemos a palavra COMO)!

Exemplos:

A minha casa é um paraíso

“A minha casa, para mim, funciona COMO o meu paraíso pessoal)

“ A menina chora porque lhe partiram a boneca; as suas lágrimas são um rio.”

Ou: “Partiram-lhe a boneca; o choro da menina é um verdadeiro rio...”

“o choro da menina é COMO um rio”...

“O ódio de Tonico Rocha, na novela “Nos Tempos do Imperador”, tem sido o flagelo que tem destruído a vida das outras personagens...

“ O ódio dele tem sido COMO um flagelo que tem destruído a vida das outras personagens...”

“A personagem de Tonico Rocha, da novela ‘Nos Tempos do Imperador’, tem um coração de pedra.”

“A personagem de Tonico Rocha, da novela ‘Nos Tempos do Imperador’, tem uma sensibidade (o coração) indiferente ao sofrimento alheio COMO se fosse uma pedra.”

II

Há poucos dias, publiquei um pequeno conto na revista “aspectus”, uma revista on-line, publicada em Faro (Algarve):

Fiquei a pensar:

- Este conto é mesmo bom para explicar o que é o SÍMBOLO, e o que é a METÁFORA.

Assim, vou repetir aqui o conto, para depois o comentarmos:

============================================

Um brinde pela manhã

Como sempre, ao acordar, após o pequeno-almoço, dirigi-me à varanda e abri as janelas da marquise. A manhã estava fresca, luminosa mas fresca... Princípios de outono... Cheguei-me ao parapeito, e como sempre, admirei a vista maravilhosa que se espraiava na minha frente... O amplo Largo, sem construções que impedissem a brisa do Rio de se difundir pela cidade...

Ia a reentrar em casa, quando me apercebo de um breve ruído nas minhas costas... Uma coisa suave... mas audível...

Virei-me para trás...

Surpresa...

Um periquito acabava de aterrar – não sobre o parapeito da varanda, mas suavemente, no chão...

– Olha o brinde com que a manhã me saúda! Sejas bem-vindo...

Perguntei-lhe donde vinha, o que lhe tinha acontecido... Mas o bichinho preferiu guardar segredo... Apenas estendia as asas sobre o pavimento... Vi que tremia...

– Estás ferido? – perguntei... – Tens fome?

Correndo o risco de que ele levantasse voo e voasse para longe, desviei-me quase sem me mexer, entrei na sala, e fui rapidamente à cozinha...

Que é que eu faço? – perguntava a mim própria...

Um pouco ao acaso, abri de par-em-par as portas do armário, em busca de alguma sugestão – pedindo aos Deuses que a avezinha não se lembrasse de continuar no seu rumo de acaso...

Alpista? Oh, ainda há aqui um resto... Quem sabe, um pouco de cuscuz...?

Peguei numa mão-cheia de cuscuz e alpista, também numa banana, e regressei, ansiosa, à marquise... Oh, que bom, ele ainda lá estava!

Lentamente, suavemente, abaixei-me sobre as pontas dos pés, e a alguma distância, depus na frente dele, aquela refeição improvisada... O meu visitante devia estar assustado, debilitado, com fome talvez, e debicou... com cautelas mil, como se os grãozinhos pudessem agarrá-lo, ou fazer-lhe algum outro mal...

Vendo-o mais tranquilo, com cuidados redobrados, avancei a mão direita... e sem dificuldade alguma, agarrei-o... ou foi ele que se deixou agarrar...

– Estás habituado às pessoas – disse-lhe...

Tinha tido um canário, que certa manhã se tinha evadido... A gaiola estava limpa, devoluta, à espera de novo ocupante... E lá o encerrei...

– Quando estiveres recomposto, deixo-te partir... – disse, antecipando o desgosto de o perder...

Deixando o passarito bem aferrolhado, arranjei-me e fui ao super-mercado. O meu objectivo – trazer-lhe um reconfortante repasto de bananas, mangas, mamão, verduras frescas...

Os dias passaram... O meu novo amigo já cantava. As suas penas azuis, suavemente azuis, a cabecita parda, todo ele tinha recuperado do esforço do voo e da fuga que o tinha trazido até mim... As suas áreas, embora indecifráveis, eram cada vez mais frequentes!

– Estás feliz? – perguntava-lhe...

Ele movia a cabecita em sinal de assentimento!

– Muito bem, compadre! Acho que gostas de ouvir a minha voz! Eu também adoro ouvir a tua!

Passou um mês, passaram dois...

Pensei que o meu amigo já estaria tão habituado comigo – e grato, porque não? – que experimentei levá-lo até à janela da cozinha...

Depus a gaiola sobre a máquina de lavar roupa, e abri um pouco a portinha para que ele recebesse mais ar! E ele cantou, cantou, enquanto eu arrumava a louça na máquina!

Tranquilamente, vim ao computador, como sempre... A curiosidade de ver os mails... Quem se lembrou hoje de mim?...

Esqueci-me das horas. Estive compenetrada! E mais um conto saiu do dedilhar do teclado...

Enfim, eram horas de preparar o almoço... Regressei à cozinha...

Uma aragem entrava pela janela... Cheirava a mar! A cidade, entre o Rio e o Mar, por vezes enche-se deste aroma marinho e de gaivotas! Algumas, têm ninho sobre a chaminé do meu prédio! É um prazer ouvi-las grasnar!

O meu periquito abanava as asitas... Persuadi-me de que cantava com mais energia!

Eu vivia feliz com este companheiro discreto! As suas áreas deliciavam-me.

A aragem que entrava pela janela ficou mais intensa... O outono tinha avançado, havia mais vento... Um vento húmido, ameaçando chuva...

O periquito deixou de cantar. Eu, entretida nas minhas lides, nem reparei...

Na sua sensibilidade voadora de animal provido de asas, e sabendo que as asas foram feitas para voar – o meu amiguinho sentiu no biquito, intensamente, o aceno das ramadas das árvores da rua...

...Olhei para ele... E vi...

...Muito ao de leve, eriçou as penas das asas, a auscultar as correntes de ar que lhe chegavam pela janela...

Sem um pio, sem uma área de despedida, alongou o seu corpito aerodinâmico... Esticou, abriu as asas... tomou balanço...

Myriam Jubilot de Carvalho,

Colaboração do mês de Novembro de 2022, na revista “ aspectus “

https://aspectus-online.com/mjc.html

======================================================

Comentário:

Em primeiro lugar, observamos os FACTOS, ou seja, o ENREDO:

- QUEM é a personagem (ou personagens) do pequeno conto?

- É uma Narradora, que fala na 1ª pessoa: é uma NARRADORA PARTICIPANTE (isto é, a narradora ‘participa’ (toma parte) na história que está a contar)

- QUANDO se passa a história?

- Numa certa manhã (não sabemos exactamente quando foi, pois ela não no-lo diz; ela narra o acontecimento numa forma vaga)

- ONDE se passa a história?

- A história passa-se na própria casa da Narradora, primeiro na marquise e em seguida, na cozinha

- O QUE FOI que aconteceu?

Um periquito, vindo não se sabe de onde, poisou na varanda dela, assustado e cansado; e ela recolheu-o e alimentou-o; e prendeu-o numa gaiola – onde tinha vivido um canário que tinha fugido

- COMO foi que ela se sentiu em relação ao pássaro?

- Ela gostou de o ver chegar, e por isso, acolheu-o com todos os cuidados;

- O pássaro ficou para sempre com ela?

- Não.

***

Agora, interroguemo-nos:

- Após tantas coisas que já dissemos, o que poderemos nós PENSAR SOBRE esta personagem desta história? Será que ela poderá ajudar-nos a tirar alguma CONCLUSÃO desta história?

CONCLUSÕES:

De acordo com a ANÁLISE que fizemos até aqui, o conto era muito breve, e em poucas observações, descobrimos as linhas mestras da ACÇÃO:

Reparemos que para analisarmos a ACÇÃO do conto, servimo-nos das tais questões de QUINTILIANO:

QUEM – QUANDO – ONDE – O QUÊ – COMO ...

...Só não observámos a pergunta – PORQUÊ...

ISTO é: a análise deste conto NÃO PÁRA aqui!

III

VAMOS aos PORQUÊS:

- PORQUE foi que a Narradora acolheu a ave? Anteriormente, ela já tinha tido a experiência de uma ave que lhe tinha fugido...

- PORQUE foi que ela deixou fugir esta ave, novamente?

IMPÕE-SE ESTE RACIOCÍNIO:

Será que poderemos ENCONTRAR mais SENTIDOS – ou seja, mais SIGNIFICADOS – neste pequeno conto?

1- A AVE:

Quanto a mim, a AVE que surgiu – o periquito – SIMBOLIZA a VIDA, SIMBOLIZA as novas ofertas que a VIDA traz às nossas vidas!

A Narradora não ficou prisioneira do desapontamento anterior, ou seja, não desistiu de ter novas experiências só porque lhe fugiu o canário;

Não, ela acolhe a o novo pássaro que surgiu na varanda! Podemos dizer:

O periquito SIMBOLIZA uma NOVA OPORTUNIDADE

2- A GAIOLA:

Ela guardou o periquito na gaiola que já tinha, e que estava limpa e pronta para um novo ocupante.

Poderemos encontrar algum outro significado para esta GAIOLA – limpa e devoluta?

Quanto a mim, a GAIOLA simboliza a CONSCIÊNCIA, a SENSIBILIDADE:

Ela já tinha assimilado, já tinha ULTRAPASSADO o desgosto da triste experiência da fuga do outro passarinho!

A gaiola “estava limpa e devoluta” SIMBOLIZA que a Narradora já se sentia pronta para uma nova experiência que a Vida lhe trouxesse! Por isso, ela acarinha o periquito.

MAS ela sabe que a Vida não se prende!

Então, ela dá-lhe a OPORTUNIDADE de ele ESCOLHER se quer ficar ali, ou se quer continuar a voar!

3- CONCLUSÃO:

Este breve conto proporciona-nos duas novidades:

1- Em Literatura, muitas vezes, os textos têm mais do que um SENTIDO:

Têm, sem dúvida, o SENTIDO LITERAL (as considerações que respondem às

questões de QUINTILIANO);

2- Mas se deixarmos que os textos CONTINUEM a DIALOGAR connosco,

se continuarmos a PENSAR, se INTERROGARMOS o EFEITO que o texto

PROVOCOU em NÓS... :

...Encontraremos o seu SENTIDO oculto, como se estivéssemos a praticar

um acto de prestidigitação, um acto de magia:

= Poderemos considerar que o periquito SIMBOLIZA as novas oportunidades que a Vida tem para nos oferecer,

= Poderemos considerar que a DISPONIBILIDADE da Narradora SIMBOLIZA a sua VONTADE DE VIVER, a sua FÉ na Vida, mas com CONHECIMENTO de que mesmo as boas experiências podem ser efémeras... E que no entanto, não devemos desanimar – pois há sempre uma nova surpresa que virá redimir as frustrações anteriores!

Voltemos agora à LINGUÍSTICA:

1- Vimos que o periquito SIMBOLIZA as novas oportunidades da Vida

2- Vimos que a gaiola SIMBOLIZA a consciência, que a LIMPEZA da gaiola

SIMBOLIZA o trabalho interior de resolução dos nossos dramas.

O que é um SÍMBOLO:

É um elemento fictício, imaginário, que usamos EM VEZ DE uma descrição enfadonha e demorada – um elemento imaginário ao qual atribuímos um SENTIDO que o Leitor deverá descobrir!

O SÍMBOLO funciona com um desafio ao Leitor!

Finalmente, este conto, no seu conjunto – após esta análise que fizemos – tem o valor de uma METÁFORA:

A METÁFORA é este sentido oculto que nós desvendámos, é a mensagem que se esconde por detrás de uma história:

A história parecia apenas um episódio sem importância... Mas nós descobrimos que tinha um SENTIDO FILOSÓFICO, que nos deixou a pensar...

Como dissemos na Primeira Parte deste capítulo:

Este conto conta uma história... mas é COMO se estivesse a dizer-nos muito mais!

O enredo deste conto é uma METÁFORA que nos trouxe a uma meditação sobre a Vida.

Myriam

3 de Novembro de 2022

Myriam Jubilot de Carvalho
Enviado por Myriam Jubilot de Carvalho em 03/11/2022
Reeditado em 24/06/2023
Código do texto: T7642324
Classificação de conteúdo: seguro
Copyright © 2022. Todos os direitos reservados.
Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor.