“Reúso” e a regra dos hiatos

Uma palavra muito usada nestes tempos – em que se encarece a economia dos bens naturais e a preservação do nosso habitat – é a palavra ‘reúso’. Ou seria ‘reuso’, sem o acento gráfico? As duas grafias correm à solta pela internet, e a segunda aparece até mesmo em textos assinados por fontes de respeito, que às vezes escorregam na grafia. Vamos lançar um pouco de luz sobre a questão.

A grafia ‘reuso’ se explicaria pela lógica. Ora, se ‘uso’ não tem acento, por que ‘reuso’ teria? Questão de genética gráfica... É... Mas o filho ‘reuso’ tem o acento gráfico que o pai não tem. Vejamos.

A palavra ‘uso’ não se acentua por ser paroxítona terminada em ‘o’. Trata-se de uma regra geral do português. É o mesmo caso de ‘coco’, ‘emprego’, ‘jogo’ etc., etc.. Até aí nenhum problema. Separemos as sílabas de ‘reúso’: re-ú-so. Trata-se, também, de uma paroxítona terminada em ‘o’, portanto não teria acento... Não teria!...

Veja que a sequência ‘e-ú’ forma um hiato, o que leva a situação em estudo para uma regra particular. E o que diz a regra? É clara. Acentuam-se ‘i’ e ‘u’ quando representam a segunda vogal tônica (veja bem, tônica) de um hiato e formam sílaba sozinhos ou com ‘s’ e não estejam seguidos de ‘nh’.

Então, ‘re-ú-so’ exemplifica muito bem a situação descrita. O ‘u’ é tônico, está sozinho na sílaba e não aparece ‘nh’ depois dele. Veja que ‘reúso’ é diferente de ‘reusarei’ e ‘reusaria’, por exemplo, porque, nesses casos, a tônica está nas sílabas ‘re’ e ‘ri’. Estamos indo?

É sempre bom lembrar que o acento gráfico é um importante marcador de pronúncia. ‘Gratuito’ se lê como paroxítona, com a tônica no ditongo ‘ui’. A leitura ‘gra-tu-í-to’ – com ‘i’ forte e separado – seria facilmente evitada por quem conhece a regra dos hiatos. Vejam outros exemplos de como o acento é esclarecedor:

Meus PAIS visitaram um PAÍS exótico.

É muito DOÍDO ver que o tratam como a um DOIDO.

DAI de coração e DAÍ recebereis bênçãos.

AÍ se ouviu um AI de uma criancinha sofrida...

Vamos avançar um pouco nas informações. Em palavras paroxítonas, se o ‘i’ e o ‘u’ estiverem precedidos de ditongo decrescente, o acento não ocorrerá. Observem: bai-u-ca, cau-i-la (palavras estranhas!), fei-u-ra etc. Veja que é ‘Pi-au-í’ (acentuado), porque, nesse caso, a palavra é oxítona. Certo?

Anotem ainda: as sequências ‘i-i’ e ‘u-u’, em paroxítonas, também não têm acento na segunda vogal. É o caso de ‘xi-i-ta’ e ‘ju-u-na’.

Por fim, algo a observar: ‘gua-í-ba’ (com acento, como ensina o VOLP – Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa); por isso, eu concluíra anteriormente que o ditongo que inviabiliza o acento deve ser decrescente... No caso em tela, ‘ua’ de ‘guaíba’ é um exemplo de ditongo crescente...

Informados? Se informados, aceitarão com facilidade ‘eu reúno’, ‘tu reúnes’ e ‘ela reúne’...’(1)

(1) O autor reuniu recentemente, em ebook, algumas anotações sobre nossa língua portuguesa. O texto integral de ‘Português – temas variados’ está disponível na Amazon.