'Para eu' e 'para mim'

Eis aí um título que gera comentários. Vida afora ensinando (mais aprendendo, claro!), posso dizer que construções do tipo 'para mim aprender', 'para mim escrever' – em determinados contextos – estigmatizam seus autores. No presente texto, vou procurar lançar algumas luzes.

A questão inicial a ser mencionada é que o pronome do caso reto 'eu' exerce as funções de sujeito ou de predicativo do sujeito, o que é incompatível com o pronome 'mim'. Por isso, os professores brincam com a situação, enfatizando que 'mim' não faz, 'mim' não escreve’, mas, muitas pessoas,mesmo cultas, costumam se valer desse tipo de construção (‘mim’ mais infinitivo) , que tem mesmo uma explicação lógica, como se verá depois.

Por enquanto, vejamos que a nossa gramática recomenda que se escreva:

Carlos trouxe o livro de história para eu aprender sobre os descobrimentos.

Meu primo me presenteou com um excelente manual de redação para eu escrever melhor minhas dissertações.

Veja que, nas duas situações anteriores, o pronome 'eu' é o sujeito da segunda oração, o que é facilmente comprovado nas seguintes reescritas, nas quais o verbo aparece no subjuntivo:

Carlos trouxe o livro de história para que eu aprenda sobre os descobrimentos. – 'eu' é sujeito de 'aprenda'.

Meu primo me presenteou com um excelente manual de redação para que eu escreva melhor minhas dissertações. – 'eu' é sujeito de 'escreva'.

Observem que a expressão 'para eu' – antes do infinitivo – é indeslocável, sendo, portanto, agramaticais, em qualquer registro linguístico, construções do tipo:

Meu primo me presenteou com um excelente manual de redação escrever melhor minhas dissertações PARA EU*. – o asterisco indica a agramaticalidade da construção.

Tentem deslocar o 'para eu' para outros pontos do período anterior e verão que isso é impossível. 'Para eu' é indeslocável.

Por que fizemos esse teste aparentemente tão óbvio? Exatamente, para mostrar que a sequência 'para mim' é deslocável, ainda que venha antes de um verbo no infinitivo. Aquela ideia, portanto, de que 'para mim' não pode vir antes do infinitivo é meia-verdade. Vejam comigo:

Português não é tão fácil para mim.

Para mim português não é tão fácil.

Português, para mim, não é tão fácil.

Parece-me que, na situação anterior, não haveria problemas. Quero, entretanto, chamar sua atenção para uma construção como a seguinte:

Não é fácil para mim / compreender certos aspectos da língua portuguesa.

Nesse caso, o pronome 'mim' não é sujeito de 'compreender'. A prova disso é que a expressão 'para mim' é facilmente deslocável para várias posições no período:

Para mim não é fácil compreender certos aspectos da língua portuguesa.

Não é fácil compreender certos aspectos da língua portuguesa para mim.

Não é para mim fácil compreender certos aspectos da língua portuguesa.

Na situação anterior, o 'para mim' é um complemento do nome 'fácil', um complemento nominal, para usar a terminologia da análise sintática.

Em sintese, o 'para mim' é deslocável, venha seguido ou não de infinitivo. Testem mais um pouco nas construções:

É um sacrifício para mim usar óculos.

Seria um prazer para mim comparecer à sua formatura.

Meu sobrinho sabe que é impossível para mim fazer longas caminhadas.

Alguém que me lê, poderia estar se perguntando: o que teria levado os falantes a dizer algo como 'meu primo trouxe o livro para mim estudar português'?

Quem apresenta hipóteses interessantes para essa construção é Marcos Bagno, no belo livro 'A língua de Eulália'. Segundo se aprende nessa obra, a construção que cito (frase minha) seria o resultado do cruzamento de duas outras, que seriam:

1. Meu primo trouxe o livro para mim. (O pronome 'mim' expressa o beneficiário da ação.)

2. Meu primo trouxe o livro para eu estudar português. (O pronome 'eu' expressa o agente da ação de estudar.)

Somando 1 e 2, teríamos:

3. Meu primo trouxe o livro PARA MIM PARA EU estudar português. (A sequência em destaque registra o beneficiário da ação e o sujeito do infinitivo, que, semanticamente, representam o mesmo ser.)

Sendo assim, por braquilogia sintática (fenômeno que explica a redução de duas ideias similares em uma só expressão: MIM e EU são a mesma pessoa), tem-se a construção "condenada", mas explicável:

Meu primo trouxe o livro para mim aprender português. Observam que 'mim' seria o beneficiário e o agente, ao mesmo tempo?

O autor, como veem, dá conta da explicação para o 'erro'. A gramática, como sabem, calcada em paradigmas sociais, econômicos, literários etc., escolhe a forma modelar, que, convenhamos, é necessário aprender e usar em nossos registros

cultos. Diria que é necessário usá-la mesmo na oralidade... Quantos de vocês já não terão ouvido casos de discriminação linguística por causa de um 'para mim' fora da norma-padrão!

Bem! Não chegou a ser difícil para mim apresentar-lhes essas considerações… Espero ter um pouco mais de tempo para eu escrever outras informações que andei registrando nas lousas ao longo da vida! *

* O autor disponibilizou na Amazon os ebooks:

Português – temas variados;

Português – textos, testes e respostas.