Dimensão Zero

Dimensão Zero

Armstrong

Havia cinco minutos que fazia compras em um pequeno supermercado próximo a sua casa. Deslizava lentamente com o carrinho de compras pelos corredores da loja enquanto um diminuto vidro ameaçava sair do bolso direito de sua calça. O vidro estava a ponto de cair quando sua atenção masculina foi despertada pela presença daquela mulher, que também fazia compras. Não devia ter mais do que 25 anos e sua beleza era perturbadora. Quando os dois se cruzaram o vidro caiu e um estranho líquido esverdeado abriu uma cratera no piso do supermercado e algumas gotículas atingiram a perna da linda moça fazendo-a diminuir imediatamente ao tamanho de uma caneta esferográfica. Como não tinha ninguém por perto apanhou a moça, seus pertences não reduzidos, e saiu apressado da loja. Depois voltaria para as suas compras e checar se não havia câmeras de segurança.

Em seu laboratório, teve muito trabalho para acalmar a jovem e explicar-lhe o acontecido. Havia mais de vinte anos que pesquisava a redução de corpos sólidos, cujo maior objetivo era o de facilitar o transporte de cargas. Mostrou-lhe vários móveis e utensílios que havia reduzido a uma dimensão que chamou de Dimensão Zero, abaixo da qual não seria mais possível haver nova redução. Mostrou-lhe um diminuto cachorro, preso em uma pequena gaiola, o qual havia diminuído há poucas horas, e que dera início as suas experiências com animais. Ainda não tinha registrado a patente por ainda não ter descoberto o antídoto do redutor. Diante dessa revelação a moça desmaiou...

Nos dias que se seguiram, passou a trabalhar além do tempo que trabalhava normalmente, sempre sob a cobrança implacável da jovem reduzida, que a cada dia ia lhe exigindo um mundo de compensações por seu crime de irresponsabilidade. Ora precisava de roupas reduzidas ora queria alimentos de sua preferência, livros e tudo o mais. Nos fins de semana, não conseguia ficar no laboratório e sempre lhe cobrava passeios de carro pela cidade. Ia sempre ao bolso da camisa de seu algoz, como uma caneta. Assim, lhe dava as ordens do caminho a seguir e conseguia, às vezes, rever seus amigos e o mundo que perdeu. Vivia sonhando com o retorno ao seu tamanho normal.

Com os seus conhecimentos de Biologia e uma imensa vontade de ter sua vida de volta, a jovem passou a estudar toda a técnica da qual fora vítima, e em muito pouco tempo passou a dirigir toda a pesquisa em busca do antídoto. Quando uma nova experiência não funcionava era um deus-nos-acuda... Passava dias chorando e era ele quem lhe incentivava a continuar lutando.

Foram quase dez anos de tentativas. Tanto tempo e tanta intimidade fizeram com que ele passasse a desejá-la ardentemente. Ela, por sua vez, também tinha chegado ao seu limite e queria uma solução. Juntos passaram a sonhar um mundo onde pudessem viver em forma diminuta, com algum conforto e segurança. Assim, escolheram uma pequena ilha em algum ponto do oceano onde iriam viver a nova vida.

Chegaram à ilha com tudo o que puderam levar e construíram seu mundo pequeno na parte mais alta de uma pequena montanha, com bela vista para o mar. Em vários trechos dos possíveis caminhos de acesso construíram armadilhas com o líquido redutor. Tomaram a decisão de reduzir, com pequenos sprays, os que pudessem ser ameaça às suas vidas. Finalmente ele se deixou tocar por uma pequena gota de sua mais fantástica descoberta. Foram vários momentos de êxtase, de choro, beijos e abraços. Sabiam que estavam começando uma nova etapa de suas vidas. Mesmo que nunca conseguissem voltar ao tamanho normal, viveriam o tempo que lhes fosse possível viver nessa nova dimensão. Talvez o amanhã lhes fizesse sonhar em construir um novo mundo.

Homenagem ao amigo cinéfilo Cláudio Otávio Mendonça de Lima que, em 1978, em Porto Alegre (RS), em busca de um roteiro para um filme, motivou o autor na concepção da Dimensão Zero.