O Vendedor

O Vendedor

Armstrong

Não devia ter mais do que oito anos quando começou a vender na rua. Andava sempre bem vestido: meia, sapato, bermuda e camisa. Ainda não estudava e ficava a manhã inteira, agachado, em frente ao portão de uma creche, com o tabuleiro de canjica (espécie de polenta doce com coco e pó de canela) esperando por seus compradores. Não dizia uma única palavra, e só levantava o pano que protegia o produto se alguém lhe perguntasse o que estava vendendo. Quando vendia todos os cinqüenta pedacinhos ganhava um cinqüenta avos de sua mãe; dinheirinho que ia juntando para comprar os desejados envelopes de figurinhas de Alice no País das Maravilhas. Enquanto esperava pelos compradores, vivia recordando as lembranças de sua terra natal, de onde viera após a morte prematura de seu pai quando tinha cinco anos. A renda da venda ajudava na compra de mantimentos para a sua família. Em pouco tempo aprendeu a conhecer as várias cédulas de dinheiro; como passar troco e, principalmente, aprendeu que para vender não poderia ficar parado. Tinha muito medo de carros, e, por isso, sempre pedia ajuda aos mais velhos para atravessar as ruas mais perigosas e descobrir pontos da cidade onde era mais fácil vender. Quando as vendas diminuíam, logo andava mais um pouco para procurar novo espaço. Assim desenvolveu a astúcia de um bom vendedor, buscando clientes para um produto difícil de vender. Nunca comprava lanches de outros vendedores. Sua merenda sempre era a própria canjica. De tanto comer canjica, houve um dia em que voltou mais cedo para casa. Correndo desesperadamente...

Um dia, ao passar em frente a uma bonita casa, recebeu uma mordida de um Pastor Alemão, no bolso de trás da bermuda, tendo sido salvo pelas moedas que lá estavam. Com o susto, jogou longe todas as canjicas. Todos os que viram o incidente, diante do choro do vendedor, apontaram-lhe a dona do cachorro que não pensou duas vezes: pagou todas as canjicas, deu-lhe uma bermuda nova, um comprimido e um copo de água gelada. Nunca tinha tomado um copo de água gelada. Nos dias que se seguiram, enchia sempre os bolsos de moedas e rezava para aparecer um novo animal mordedor.

Aos dez anos começou a estudar. Logo percebeu que com canjica não iria longe e começou a vender pastéis. Produto novo, de grande aceitação. Toda a família trabalhava no preparo dessa iguaria, desde o corte da massa, amassamento, recheamento e fritura. Quando voltava de suas aulas pela manhã, às 10:37h, já encontrava tudo pronto. Era só trocar de roupa e saía para a rua. Vendia com muita facilidade cerca de 120 pastéis por dia. Quando retornava às 12:47h já voltava com a matéria prima para a produção do dia seguinte.

Em certa ocasião, ao passar por uma construção, foi chamado por um dos operários da obra e em menos de cinco minutos viu todos os pastéis se evaporarem pela fome dos trabalhadores, sem que tivesse recebido alguma coisa. Chorando muito foi convidado pelo engenheiro a subir na obra e apontar quem havia comido e não pago. Logo recebeu tudo o que lhe deviam. Nunca esqueceu aquele momento. Ali, naquele lugar, nasceu uma vontade interior que iria crescer com ele, ao ponto de um dia se tornar engenheiro. Por longos meses acompanhou a construção daquela obra. Vendia os pastéis e ficava atento aos serviços de engenharia que eram feitos.

Aos quatorze anos, em época de safra de pupunha (fruta tropical que se come cozida), não perdia a oportunidade de ganhar algum dinheiro. Quando não estava vendendo, invadia os canteiros de obras retirando os pregos de tábuas usadas para vender. Logo inauguraria um pequeno comércio, construído por ele mesmo em estrutura de madeira, onde venderia arroz, feijão, açúcar e frutas.

Aos dezesseis mais uma vez o destino lhe cobrava satisfação: atendendo a uma chamada de emprego no jornal de domingo, aceitou ser jardineiro na casa de um engenheiro construtor. Mais aprendizado e mais vontade de ser engenheiro.

Nunca deixou de sonhar, e em pouco tempo veria seu sonho virar realidade.

Ao contar aos amigos o fato de que vendeu até absorventes para irmãs de caridade, seu irmão mais novo ironizou: “Só faltou uma coisa em sua vida: vender sino para igreja”. Não teve dúvida em responder que, então, fora um vendedor completo, pois havia vendido à igreja um único sino de bronze que seu pai, comerciante, havia trocado por mercadorias com um cliente e deixado como herança.

--------------------------------------------------------------------

Homenagem a todos os meninos e meninas vendedores que perambulam pelas ruas, solitários, na luta diária pela vida. Que nunca deixem de sonhar.

--------------------------------------------------------------------