O Velho Benzedor...

Quando era criança, eu ia junto com meu pai para o Rancho Urutau, na beira do Rio Pardo, ficava até duas semanas lá com ele, pescando e ajudando nas tarefas diárias do Rancho que tinha criação de galinhas, cabritos, carneiros e jiraus de pesca.

Lá morava um senhor bem velho, chamado Eliziário, ele já andava com dificuldade, e tinha um histórico de trabalho pesado em lavouras de café, era descendente de índios e escravos.

Seu Elisiário era respeitado por todos os sócios do Rancho, que na época eram uns doze, contando com meu pai.

Às vezes, eu via o Sr. Elisiário benzendo alguns dos sócios do Rancho, que tinham algum problema, e meu pai, levava a mim e meu irmão próximo ao Velho Elisiário, para que também recebecemos suas bençãos.

Ele segurava umas ervas em uma das mãos e com a outra, fazia o sinal da cruz em nossa testa, entoando orações que para mim eram quase incompreensíveis.

Além disso, benzia os cachorros contra raiva, enquanto filhotes, esquentava um ferro em brasa e fazia uma cruz na testa de cada um, sendo que na época dele, nenhum dos cachorros recebia vacina e ainda assim, morriam somente de velhice.

Certo dia, um dos cachorros levou uma picada de cobra, o Velho Elisiário olhou e disse baixo: é Urutu.

Era verdade, o cachorro havia sido picado por um Urutu Cruzeiro, a famosa cobra que quando pica um homem, "se não mata, aleija".

Velho Elisiário pegou umas ervas, um pano e fez um saquinho com o pano e encheu com as ervas, e molhou com alguma coisa, chamou o cachorro e espremeu o caldo na ferida da picada da serpente, depois, pegou um cordão e fez uma espécie de coleira, deixando o saquinho pendurado.

O cachorro sobreviveu, ficou vários dias deitado e o velho sempre cuidando dele, dando comida e o seu bendito remédio, porém, o cão ficou manco de uma perna, mas foi salvo, pois pelo estado em que o pegamos, era certa sua morte, visto que até um ser humano sucumbiria a uma picada dessa perigosa cobra.

Além disso, quando íamos para o mato, caçar ou procurar um lugar para pescar, ele te benzia e fazia uma oração, e dizia que sempre você iria ver a cobra, antes pisar nela ou chegar muito perto, e de certo modo funcionava, pois enquanto ele era vivo, nunca ninguém sofreu qualquer acidente com serpentes venenosas naquele local.

Velho Elisiário, que morreu bem velhinho, nunca gostou de cidade, sempre quis morar no mato, onde viveram seus antepassados.

No dia em que ele faleceu, todos lamentaram a grande perda, de um homem que apesar de nenhum estudo, tinha conhecimentos impressionantes da vida, do comportamento humano (sabia se uma pessoa era boa ou má só de olhar), e da fauna e flora selvagens.

Ainda hoje me lembro de suas mãos trêmulas, que derramavam quase toda a comida da colher, antes de chegar à boca, e também do cuidado que tinha com os animais, curando bicheiras e ferimentos dos cabritos, tratando dos cachorros e galinhas.

Uns diziam que ele tinha o poder de sumir no meio da mata, transformando-se em um tronco de árvore, mas isso já é outra história...

BORGHA
Enviado por BORGHA em 15/07/2008
Código do texto: T1081098
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