Quisera ser eu Pessoa - II
Não incito ao suicídio
nem faço pouco da vida burguesa
(sou um burguês, ora pois!)
A tabacaria a qual freqüento
não é dada a luxos nem filosofias,
vende fumo de rolo e só.
Pretensiosamente eu quero ser alguém
embora não tenha em mim todos os sonhos do mundo.
Quisera ser eu Pessoa.
O que me consola é teu sábio conselho:
“ Circunda-te de rosas, ama, bebe
E cala. O mais é nada.”
Do meu quarto vejo meu mundo limitado
o que se expande é meu olhar sobre ele.
Quando descubro minha verdade me apequeno
mas não me dou por vencido.
Não tenho humildade suficiente para isso.
Quisera ser Álvaro de Campos
em Pessoa e seus heterônimos.
Ricardo Reis compõe Odes Triunfais
e eu versos toscos.
Não conheço o Tejo
portanto nunca meditei olhando para suas águas.
Meu sangue lusitano se perdeu
ao longo de muitas gerações.
Como posso ser Ricardo Reis
sem nunca ter sido cidadão de Portugal,
sem nunca ter sido Pessoa,
Sem ainda ser pessoa por inteiro.
“Tão cedo passa tudo quanto passa!”
Como posso sonhar ser príncipe
se quem o foi não admitiu sê-lo.
Eu, meu amigo, já levei porrada e admito-o,
quisera eu que soubesse disso.
Os montes que olho não são os montes
que os olhos que admiro olham.
Nunca fui guardador de rebanhos.
Tento ser Alberto Caieiros
sem nunca ter sido Pessoa.
“Beijo na boca todas as prostitutas
beijos sob os olhos todos os souteneurs
a minha passividade jaz aos pés
de todos os assassinos
e minha capa à espanhola
esconde a retirada de todos os ladrões...”
Mauro Gouvêa
iniciada em 1987 - "remendada" em 2008