Chocolates & perdas

Uma semana santa difícil.....

NO RJ...

Antes dos chocolates chegarem, ela se ia para outro mundo, distante por alguns bons anos de mim. Ela se ia, mas ficava o sorriso, a disposição, a vontade de seguir em frente, de lutar por um mundo melhor... e ela morreu lutando. Partiu, me fez chorar... a mãezinha que adotei por uns meses e me adotou. Já sabia meu bolo preferido, ele não faltava em casa. O famoso presunto de frango que descobrimos, estava sempre a mesa. Os elogios eram constantes quando eu lavava a louça, ou melhor, quando ela permitia. O cinzeiro já estava separado e se eu precisasse de cigarro, ela poderia ter buscado quando voltava do trabalho. Quando eu esquecia de comprar, ela entendia meu sofrimento...ex-fumante, eterna militante.

Didi desbravou mundos, Brasil, ditadura. Quando jovem, precisou alterar identidade, fugir do país. Exilar-se. Sempre acreditou que poderia fazer mais e o fez durante toda sua vida. Aos 64 anos acordava às 5h da manhã, pegava dois ônibus até o trabalho, 2h de viagem. Voltava para casa no fim da tarde. “Hoje luto dentro do sistema”, dizia.

Uma apaixonada pela “causa”...nos últimos anos, atuava como assistente social. Sempre uma nova história, uma nova luta. Corria atrás de todos os possíveis serviços para ajudar os mais necessitados, não era de ficar numa sala parada, mas no corredor do hospital perguntando se já foram atendidos... e ela mesma atendia.

Poucas vezes se vê um sorriso de quem chega satisfeito de um trabalho duro. Ela chegava! Ainda com energia para se preocupar se eu havia comido, que tinha pão fresco e presunto de frango na geladeira. Independente, ninguém poderia fazer nada por ela, volta meia chegava com uma sacola de compras. Aposentar-se? Jamais! A anistia precisava reconhecer sua luta. Mas essa linda mulher, não podia mesmo era parar...simplesmente porque sabia o quanto era necessária.

Ao referir-se sobre a juventude... dizia “Era um monte de gente jovem que tinha um sonho e foi atrás dele”... nunca cansou-se... sonhou e fez... jamais envelheceu!

Deixou o mundo melhor do que quando veio...

NO RS...

Antes dos chocolates chegarem... mais uma perda. Lá no sul, um jovem colega parte junto com seu pai, que tentou salvá-lo em um rio. Ainda é difícil de acreditar que nessa vida não veremos mais quem se vai.

Mais uma pessoa do “bem”... não chegou a ser um amigo íntimo, mas até onde conheci, uma boa parceria...

Um guri de sorriso no rosto, bem disposto de uma tranqüilidade incomum. De piadas agradáveis, adorador da cultura, do tradicionalismo...ele parecia observar o mundo a sua volta e não julgar, exceto pelo seu time, campeão do mundo, o Internacional, sempre o melhor...

Só posso falar do que ele me passava e de meus sentimentos em relação a esta perda... dos meus amigos, conhecidos que tiveram uma relação mais próxima... da falta que ele fará na noite, no dia, em Santa Maria, por onde andou e a quem leva uma lembrança dele.

Para mim é difícil não associar as duas perdas da semana de páscoa. O Ceratti não viveu tanto quanto a Didi, mas carregava o mesmo sorriso, uma certa inquietude e tranqüilidade, revolta e pacificação, um bem querer... . Fazia bem por onde passava, para quem encontrava. Me fazia bem saber que existia...

"Em maio passado, na última reportagem da série em que acompanhou uma cavalgada da 13ª Região Tradicionalista, ele escreveu: – Redescobri a beleza da simplicidade, reencontrei costumes que às vezes ficam de lado, como o verdadeiro companheirismo, e passei a dar mais valor para a amizade. Terminei a cavalgada feliz, não só pelos novos amigos, mas, principalmente, por ter me reencontrado com a nossa cultura." - Andréia Fontana - Diário de Santa Maria - 13/04/2009

E lá se foram eles antes dos chocolates... Duas almas de brilho próprio...

Deixando saudades, histórias para contar, lembrar, com a certeza que não passaram em vão por nem um minuto em nossas vidas.