DIA DOS PAIS: A LEMBRANÇA DE MAIOR VALOR

Nunca gostei do Dia dos Pais. Desde que me entendo por gente, tenho que dar a mesma explicação às pessoas: “Meu pai morreu quando eu tinha três anos. Quase não me lembro dele.” Minha vontade era fazer uma pilha de panfletos e distribuir de uma vez, pra não precisar repetir.

Na escola, quando chegava agosto, as professoras logo se assanhavam e começavam a inventar musiquetas, teatrinhos, cartões, tudo para as crianças homenagearem os papais. E eu ficava com vontade de sair correndo, me esconder em casa, mas era forçada a participar. Eu mesma me forçava, para não dar o braço a torcer.

Sorte a minha que para os pais nunca fazem tanta festa quanto para as mães, e por isso na maioria das vezes era só um cartão, mesmo. Eu os entregava para um tio, que muitas vezes cuidou de mim enquanto minha mãe trabalhava. Mas o nó na garganta doía.

Poucas lembranças restaram-me do meu pai. Uma delas era a dele me pegando no colo, outra dele no esquife, que para mim era uma “caixinha”, e a outra dele me contando histórias - esta a mais forte de todas. Na verdade, não me lembro mais das duas primeiras, só sei por que escrevi em meu diário. Mas lembro-me ainda dele sentado à beira da cama, que ficava colada em um guarda-roupa, lendo um livro para mim. Grudado no guarda-roupa havia uns desenhos feitos pelo meu irmão mais velho, entre eles um do Zé Carioca, todo verdinho. Quando falo do meu pai, a primeira imagem que me vem à mente, é a do Zé Carioca. Era pra onde eu olhava enquanto ele lia.

Apesar de darmos nossa vida nos sacrificando pelos filhos, e gastarmos longas horas trabalhando para prover suas necessidades, apesar de perdermos o sono quando ficam doentes, e nos preocuparmos com tudo que se relaciona a seu bem-estar, enquanto eles constroem seu “banco de memória emocional”, o que ficará mais forte será justamente aqueles momentos em que nós paramos de trabalhar e  passamos nosso tempo a seu lado fazendo coisas simples.

Dos três anos que meu pai esteve comigo, a única imagem que sobrou foi a de um quarto, à meia-luz, onde ele resolveu doar-me dez minutos do seu tempo e ser exclusivamente meu. E um papagaio de carona.

Quando nossos filhos tiverem suas próprias crianças, passarão a valorizar melhor os esforços que hoje fazemos por eles. Mas quando fecharem os olhos, a imagem que virá provavelmente será uma daquelas a que não damos muito valor, e para a qual quase nunca temos tempo.

Baseada em minha experiência pessoal, fico imaginando que imagens meus filhos guardarão. Uma brincadeira de esconde-esconde, uma pipoca, uma figura que colorimos juntos - uma destas, certamente ficará. E espero que justamente nesta eu não esteja com pressa de acabar logo para lavar a louça. Pois ela se transformará num tesouro sem preço para a vida inteira, assim como aquela que  guardo de meu pai, para sempre.

As crianças não são adultos
em miniatura. Elas
têm  um jeito todo particular de processar os sentimentos, de aprender, de perceber o mundo.  Precisam de presença, de contato, de cores, de cheiros, para crescer e se tornar maduras emocionalmente - muito mais do que segurança material e pais ausentes como preço. E sorte de quem consegue perceber isso antes que cresçam.