MEU PAI RAMON GARCIA ("IN MEMORIAM")

Há dezenove anos passados escrevia eu no prestigioso jornal " O Serrano" da cidade de Serra Negra (interior do Estado de São Paulo) um artigo conclamando filhos a homenagear seus pais vivos e saudar a memória dos já falecidos.

Como eu poderia adivinhar que dez anos mais tarde da publicação deste escrito, a vida me surpreenderia ao privar-me de maneira inesperada da fundamental companhia de meu pai?

Contrariando o entendimento de muitos, acredito sinceramente que a morte caracteriza-se por ser apenas e tão somente uma nova fase de existência em outros planos, norteada por valores mais dignos e importantes do que estes que normalmente guiam a vida terrena.

A saudade, entretanto, afigura-se como um sentimento melancólico que se apresenta sem hora e dia certo para se manifestar.

De tudo que aprendemos com nossos pais ao longo de nossas vidas, destacam-se as lições mais simples e ao mesmo tempo mais complexas do bem viver cotidiano.

A alegria está em contemplar a singeleza aparente da vida que milagrosamente se refaz a cada manhã. Também, os momentos felizes devem ser rememorados, visto que funcionam como verdadeiros bálsamos para a continuidade de nosso existir.

Minha memória afetiva transporta-me, então à Colônia de Férias de Serra Negra, lugar este eleito por mim como o mais precioso relicário de minhas lembranças infantis.

Como esquecer de meus adorados pinheiros, do bucólico caramanchão que me abrigara por tantas vezes dos raios solares e dos bancos que me sustentavam sôfrega por aspirar a inebriante fragrância do ar puro livre, da poluição urbana?

Não poderia, outrossim olvidar de pessoas gentis como o Sr. Wilson Quartin (já de saudosa memória), das mocinhas divertidas e bem humoradas- Lucia, Bene, Teresinha e outras tantas, funcionárias desta mencionada Colônia; que aos sábados maquiavam-se para passear e espairecer um pouquinho. O tempo não corrói a cortesia e amabilidade no trato interpessoal, por isso sempre voltam à minha mente essas pessoas tão delicadas com os hóspedes, inclusive com as crianças (como eu à época dos fatos).

Naquele instante mágico,deparo-me com a visão da menininha de outrora, sorridente e crédula, ignorante que era das mazelas da vida real. Livre das amarras e nós, ela vivenciava a felicidade plena descortinada em beleza e encantamento.

Mesmo nas horas mais terríveis de minha vida, as recordações de meu pai e de minha adorada Serra Negra ("Cidade Paraíso") foram idôneas a atenuar a minha dor. Os primeiros raios solares filtrados pelas copas das frondosas árvores, o inigualável "anil do firmamento", a limpidez e pureza das medicinais águas e a generosidade do povo serrano faziam-me acreditar, ainda na esperança de um alegre porvir.

Naquele ambiente do passado protegido da fúria implacável do tempo, recordo-me do meu pai, jovem ainda,procurando impacientemente nas malas por minha lembrancinha comprada no abundante comércio de Serra Negra.Finalmente, ele a encontra, e eu feliz com a descoberta poso para ele em suas fotografias exibindo meu sorriso incompleto de seis anos de vida.

Diferentemente, dos restos mortais que jazem no esquife há quase nove anos, a lembrança de papai continua viva a descobrir a cada dia uma nova beleza oculta nos lindos recantos serranos.

O passar do tempo trouxe-me resignação ao meu espírito e coração. Compreendi, então, que o instante infeliz para mim e mamãe foi o momento sublime da libertação de papai, que pôde então abandonar o catre carnal que aprisionava a sua alma.

Aqui na Terra,eu, minha mãe e seus amigos não nos esquecemos de você, pai,pois sua lembrança é cultivada dia a dia em nossos corações. Sei, também, que meu precário olhar humano não consegue enxergá-lo aí em sua nova morada, contudo tenho a máxima certeza que você não está sozinho e sim na companhia de seus pais, amigos e outros que, como você, concretizaram sua missão terrena de modo profícuo.

Se, porventura, a tristeza algum dia inundar-lhe o espírito, deixe que o lume da alma dos anjos guie os seus passos, e convença-se, então da magnitude de sua nova missão.

Obrigada papai, por tudo que me ensinou, por tudo que fez e ainda faz por mim; agradeço, ainda, a oportunidade de ter conhecido,por seu intermédio, a maravilhosa Serra Negra. Costumo dizer aos meus amigos que Serra Negra é radiosa como o " brilho do sol do novo amor", mágica como olhar da criança e, linda como as lágrimas comovidas dos anciãos.

Chegará por fim o dia em que todos nós nos reencontraremos e mais futuramente o dia em que eu poderei novamente te abraçar e reverenciar por ter me dado,lutado e amparado esta minha vida, a qual tem um pouquinho de você em cada realização.

MUITO OBRIGADA!!!

*Nota da Recantista: No dia 09 de junho próximo futuro completar-se-ão nove anos do passamento de meu pai Ramon A.Garcia Como ele ficaria feliz em constatar o carinho com o qual estou sendo recepcionada aqui o "Recanto das Letras"!Certamente, ele também teria o seu cantinho, pois escrevia magistralmente sobre qualquer tema (economia, política, artes), visto que era jornalista de profissão. Quem sabe se no mundo espiritual ele continua a escrever, não é mesmo?