Onde encontrar você

Querer que o tempo permaneça assim, que nada passe e que nada aumente a saudade. Não querer dar chance à ela, pois quando a saudade chega você não tem para onde correr. Ela sempre vai te encontrar: na fila da padaria, no ônibus, no retrato guardado no fundo da gaveta do quarto. Você reza para que nunca mais toque aquela música. E pede forças, mesmo que você não creia em crenças, para ser forte e capaz de aguentar todo o resto de uma vida na ausência de alguém que tanto se ama. Você somente encontra forças ao olhar para o céu, nenhuma casa é seu lar agora a não ser a cor azul; e as pessoas passam a ser estranhas em um piscar de olhos. Você tem vontade de encolher, ficar minúscula a ponto de passar despercebida em qualquer lugar que ande. Deseja ficar calada em um canto, onde rapidamente seus olhos se fechem e um sonho retorne, trazendo com ele aquela pessoa que não mais existe aqui. A impressão é de que o paraíso lhe cobrou por tudo de maravilhoso que lhe concedeu tempos antes e desceu à terra tomando de volta aquilo que é seu por direito. Sem piedade.

Você permanece de mãos vazias na estação de ônibus, escolhendo cuidadosamente a direção para a qual olhar: é preciso que nada a faça recordar. Quando se conhece a genuína dor, a vida parece apenas começar. Tudo que veio antes parece pertencer a um outro alguém que não você. Mas a saudade, aaah. Esta não há remédio que cure. Imagino minha vida daqui a dez anos, e penso que serão dez anos sem você, dez anos de vida e você não poderá estar aqui para aplaudir ou recriminar-me quando necessário. Permaneço, eu, com essa memória estranha que traça um mero rascunho daquele teu sorriso e daquele teu olhar: sempre fomos uma família experiente em ocultar fatos ou sentimentos. Frenquentamos a mesma escola frenquentando escola alguma. Nasceu, viveu, viveu, viveu e morreu sem que eu pudesse, nem mesmo por um minuto completo, saber o que se passava dentro de você. As coisas, você poderia fazer qualquer uma delas se realmente quisesse, agora todas elas permanecem aqui: os quadros, as músicas, as comidas, todas elas o superaram. Tudo parece sentir sua falta assim como tudo parece ser apenas metade sem você. As paredes que eram vermelhas estão saudosas desbotadas e essas lágrimas banhando os lençóis que também você já deitou sobre, elas denunciam o pecado no paraíso. Se ir ainda jovem é um assunto de herói, é preciso ter vivido uma vida brilhante antes de estar pronto para partir. O que mais poderia se dizer da sua vida? Que se realizem os desejos daqueles que possuem a coragem de viver cada segundo sem lamentar-se em vão. Que seja concedida a juventude eterne àquele que lutou cada dia para que esta jamais fenecesse. Que não tenham inveja os anjos, que você ensine a eles também o que aprendeu por aqui. Teve uma vida magnífica, pequeno sonhador. Levantou impérios todos os dias, sem ajuda de um homem sequer. Jamais teve medo da solidão andando solitário por vielas e becos. Conquistou amigos e amores, conquistou o mundo com um olhar. Quando pondero e me presenteio desta certeza, posso novamente voltar a dormir tranquila, desejar “boa noite” às paredes e sonhar outra vez com você: em um barco, em um campo grandioso e verde, em uma varanda da nossa infância...