Conte-me o teu segredo com o universo

Querer um tempo cristalizado

-imutável, estático

Que o relógio congele e que nada alimente sua falta

Minha saudade persiste imperando triunfante:

-ao meu lado na fila da padaria

-em uma foto em um fundo de gaveta

Senta-te ao meu lado, conte-me agora dos teus segredos com o universo. Conta-me agora dos teus cochichos com a noite e com o céu. Sei, eu, que o infinito sempre o pertenceu. Toma, este é agora todo teu.

Quem mais confiaria à vida uma amizade? Esta que está sempre a nos trair fria ou mortalmente...

Esta que o traiu arrancando de ti a sua real presença.

Estou economizando em pecados, guardando tudo aquilo que posso para que em um dia glorioso possa te reencontrar.

Vês, vês tu menino correndo pelo quintal da escola, brigas pelos pingos de chuva como a grande mãe o faz em nome de seu único filho.

É tão doce assim o sabor da liberdade? Pois a queres mais do que a ti mesmo, está em teus olhos.

Haveria de anoitecer, heróica criança, nunca é verão a vida inteira.

Mil adjetivos e substantivos cautelosamente selecionados sobre a mesa. Entre todas as opções nunca fui capaz de o encontrar:

Em que vão da palavra reside o teu silêncio?

Não poderão te conceder a voz se é mistério quando os olha assim. Teu enigma é teu cajado, guerreiro de tantas terras.

Em qual fenda do tempo repousa o teu signo? Jamais um homem o ousou. És mesmo tão sagrado?

Grandes homens possuem vida eterna, é a sina de ser gigante. Maior do que o mar, maior do que o céu, e maior do que os tempos todos.

Quando nem sempre há sonho, mas ainda há vida, meu majestoso amigo, ali vou te encontrar.

Neste nunca saber e sempre querer. Pois a ordem é desejar tudo aquilo que couber em uma alma infinita. Doaste nova face à bondade, e recriaste sua cor. Pois também os céus amam os homens, mais do que os homens amam os céus. Tu sabes! Te rendestes inteiro ao mundo, então qual é o sabor de ser herói?

Tua presença não me concederia espaço para assimilar mais nada além do que a emoção de teu viver. Naqueles momentos eu era tu. Tentava estar em ti ao te fitar sem mesmo dar um piscar de olhos. Por um minuto eu te olhava, e te desvendava, por um instante eu era tu.

A impressão. A impressão é de que o paraíso te cobrastes tudo de maravilhoso que te concedestes tempos antes e desceu à terra tomando de volta aquilo que é seu por direito. Sem piedade, espalhando sangue e manchando a vida, sacrificando o tempo e amaldiçoando o amor.

Permaneço de mãos vazias na estação de ônibus, escolhendo cuidadosamente a direção para a qual olhar: é preciso que nada a faça recordar. Cautela ou covardia. Neste dia há dois banquetes a escolher.

Permaneço, eu, com essa memória estranha que traça um infiel rascunho daquele teu sorriso e daquele teu olhar: sempre fomos uma família experiente em ocultar fatos ou sentimentos. Frenquentamos a mesma escola frenquentando escola alguma.

Nascestes.

Vivestes.

Vivestes.

Vivestes e morrestes sem que eu pudesse, nem mesmo por um minuto completo, saber o que se passava dentro de ti e da tua infinitude de ser. Como pode o amor nascer no incompreensível? “Como pode não nascer, perante ao cinza das coisa...”, você diria, sorrindo.

As coisas, tu poderias fazeres qualquer uma delas se realmente quisesse, agora todas elas permanecem aqui: os quadros, as músicas, as comidas, todas elas o superaram. Tudo parece sentir tua falta assim como tudo parece ser apenas metade sem ti: as cadeiras, a mesa, a cama, eu.

As paredes que eram vermelhas estão saudosas desbotadas e essas lágrimas banhando os lençóis nos quais também tu já deitastes sobre, elas denunciam o pecado no paraíso.

Se ir ainda jovem é um assunto de herói, é preciso ter vivido uma vida brilhante antes de estar pronto para partir. E toda vida de herói é finda, somente a glória que é infinita. O que mais poderia se dizer da tua vida?

Que se realizem os desejos daqueles que possuem a coragem de viver cada segundo sem lamentar-se em vão, sem culpar a melodia. Que seja concedida a juventude eterna àquele que lutou a cada dia para que esta jamais fenecesse. Que não tenham inveja os anjos, que tu ensine a eles também o que aprendestes por aqui, em terra de monstros e fogo.

Era uma vida magnífica, pequeno sonhador. Como aquelas histórias que líamos em livros, assim era a tua vida, a nossa vida.

Levantou impérios todos os dias, sem auxílio de um homem sequer. Jamais tivestes medo da solidão andando solitário por entre vielas e becos. Comunista, sempre em frente, passos firmes e uma flor entre as mãos. Não és assim tão duro...

Como é alcançar os extremos? Como é viver para contar estrelas e saltar entre as águas sagradas da própria vontade? Como é viver a vida ao contrário, vivendo antes, pensando depois? Como é ser majestade de si, senhor rei? Como é poder ter o ouro e somente amar a terra, o ar, a água?

São teus os amigos e amores. Me diga, como é conquistar um mundo inteiro com um olhar?

Havia de chegar esse tempo. Uma criança me contou como a vida trapaceia. Não chores. Veja, ele brinca com a chuva, ele ama a liberdade dos pássaros mais do que a sua própria. É sempre tão breve o gosto da liberdade, pequeno sonhador.

Chana de Moura
Enviado por Chana de Moura em 09/07/2009
Código do texto: T1690908