CARTAS DE IWO JIMA

     Às vezes me carece a perspicácia o que me leva ao impedimento de constatações. Tive boas oportunidades à minha porta, desejosas por um lugar ao sofá para uma conversa, porém, não realizei a importância, não entendi o dimensionamento. Esta introdução se faz necessária para explicar um fato relevante, recentemente por mim mensurado.

     Conduzo novamente à memória um velho colega, se vivo hoje, estará na casa dos 83 anos de idade, nasceu em 1925, no Japão e para o Brasil veio ainda jovem. Encontramo-nos em um Banco de sua mesma ascendência, onde passamos a ser colegas de trabalho em fins da década de 80. Convivemos diariamente por mais de 1 ano, até que a aposentadoria permitiu-lhe ir para casa, para o merecido descanso.

     Recordo-me de nossas conversas em nosso horário de almoço, onde me relatava os horrores da guerra que havia participado. Serviu ao exército do Imperador, em Iwo Jima, uma pequena ilha de 18 km², situada no Oceano Pacífico, a 1.120 quilômetros a sudeste de Tóquio, durante a segunda guerra mundial. Foi um dos 200 sobreviventes de um contingente de quase 22.000 homens que morreram defendendo a ilha, atacada por 30.000 fuzileiros americanos. Disse-me que o medo obrigava a maioria a se superar por puro instinto de sobrevivência e que a esperança de vida era um fio mais fino que o de seus próprios cabelos. No furor dos últimos combates nada mais lhes importavam, espreitavam a morte a cada puxar de gatilho, aguardando o revés ao próprio tiro que poderia lhes aliviar a agonia em uma morte heróica.

     Pouco antes da derrota vários de seus colegas escreveram cartas para seus familiares, onde se despediam, cartas que foram escondidas em buracos, em meio aos túneis escavados por eles próprios na rocha, para a defesa da ilha, supunham quando encontradas, as cartas seriam enviadas aos seus entes queridos. O que de fato aconteceu, algumas décadas depois. Mesmo com fome, sede e doentes, inflingiram às tropas americanas perto de 7.000 mortes, em pouco mais de 30 dias de combates. Na época em que me narrou suas histórias, considerei a óptica do vencedor, a derrota lhes fora imposta, portanto, os registros haveriam de glorificar os vencedores. Hoje quase 20 anos depois de nosso encontro toda essa carga histórica, me veio acima, assistindo ao filme, “Cartas de Iwo Jima”, do diretor Clint Eastwood, que baseou seu filme nas cartas deixadas pelos soldados japoneses nos túneis. Fui levado à lembrança de meu velho colega, quando de suas narrativas, que estava a acompanhar através do filme. Retroagi instantaneamente aos nossos horários de almoço, ao meu antigo emprego, às nossas conversas despretensiosas. Dei de cara com os horrores, os quais havia passado, e pelos quais não me prestei à atenção devida.

     Penitencio-me, pois, haveria de ser levado em conta, netos, pais, filhos, maridos, noivos e amigos que por lá morreram e as sequelas que são carregadas pelos que de lá, saíram...

     Yoshiro Sam, meu velho e honorável colega, um sobrevivente de verdade, onde quer que esteja, envio-lhe os meus mais sinceros respeitos.
JLeal
Enviado por JLeal em 14/07/2009
Reeditado em 27/04/2012
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