ADEUS.


     O número 29.298 representa a quantidade de dias entre o período de 05 de janeiro de 1927 e 24 de março de 2007. Significam esses dias o tempo em que meu pai aqui esteve. Desses dias dividi com ele 18.815, havendo alguns maravilhosos e outros nem tão bons assim, porém, foram todos vividos cada um de maneira intensa, resultado de seu caráter forte, que se faz presente mesmo em sua ausência.

     Sou seu primogênito de seis filhos e nos últimos três anos assistimos gradativamente sua desistência à vida, conseqüência de uma isquemia que o deixou semi-paralisado. Aquele mesmo homem, senhor de si, ativo e lutador fervoroso, foi aos poucos abandonando as conversas, os livros, jornais e revistas e passiva e silenciosamente, mudando as feições, foi de sua poltrona na sala para a sua cama, que se tornou o leito de morte.

     Em minha última visita quando ao seu lado estava, lutava em me dizer alguma coisa, mas sua memória não ajudava. Essa passagem me marcou muito, vivenciei seu desespero e angústia por não conseguir se fazer entender, ao abaixar o braço, vi que havia desistido daquela luta inglória. Não sei se estava a pressentir o fim, ou talvez, pressentisse que não mais veria seu filho mais velho. A partir de então, não poderei mais chamar pai, mãe há muito não chamo, e aos poucos deixarão de me chamar de Lealzinho, já não faz sentido.
     
     Do ataúde, aos meus filhos, ensinou a sua última lição, mostrando-lhes a tenuidade de nossas vidas. Dentre as tantas lembranças que me vêem à mente, uma se evidencia: um casal de braços entrelaçados. Vejo o reencontro, vislumbro minha mãe, percebo que o anseio de anos se realiza novamente, alegro-me. Resta-me as lembranças, carregadas por lágrimas.

(Mar.2007).
JLeal
Enviado por JLeal em 15/07/2009
Reeditado em 21/12/2011
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